É Natal de novo. De novo as criaturas são tomadas pelo espírito de uma festa que transcendeu suas origens para adquirir conotações de universalidade. Ancião, olho minhas netas pequenas repetirem o velho ritual de escrever cartas para o Papai Noel. A só esperança do presente já é motivo mais do que suficiente para as manifestações de alegria contagiante. Mas apenas a inocência infantil pode justificar essa efusividade. Para nós outros são escassos, quase inexistentes, os motivos para essas manifestações. Aí está o corona vírus, com sua carga de terror incontida, para macular os festejos e aumentar os receios dos que possuem um mínimo senso de responsabilidade.
Em nosso país, aproximamo-nos celeremente da cruel marca de duzentos mil mortos, enquanto o número de infectados já se conta por milhões. Diz-se que no Reino Unido o vírus se transmuda e, de nova roupagem, faz tremer os reais domínios. Que síntese cruel de um ambiente macabro. Nele, a única ocorrência capaz de gerar o mínimo de tranquilidade foi a notícia de que a ciência, superando-se a si própria no tempo e no espaço, logrou chegar à produção da vacina capaz de imunizar contra o monstro. É um raio a cortar a escuridão pavorosa. Raio que acende a esperança de vida em uma gente que se viu manietada pela intensidade da infecção, reagindo a ela com a prosaica arma de higienizar as mãos. Mas sabão e álcool não foram suficientes para conter o avanço brutal do inimigo insano. Ele desbordou do racional e se foi infiltrando, impiedoso e inclemente, no castelo do rico e na choupana do pobre, a todos atingindo sem dó nem piedade.
A humanidade rastejou diante do poderoso senhor que, sem dizer a que vinha ou porquê estava vindo, ia se disseminando nas estepes geladas da Sibéria assim como no infernal calor do Saara. Nada conseguia contê-lo e as autoridades sanitárias do mundo inteiro buscavam, desesperadas, medidas que pudessem pelo menos minimizar a capacidade de transmissão. Tudo em vão. O vírus gargalhava diante das precauções, até porque muita gente não levou a sério a necessidade de se precaver. E bastou esse descuido para que o vírus se sentisse como ouro sobre azul. Tudo lhe era favorável.
Um ano inteiro de angústia, perplexidade e medo. Mas de esperança também. Uma esperança tímida, acanhada, quase raquítica, mas esperança de qualquer forma. Esperança de que a praga não poderia ser invencível e de que a humanidade haveria de encontrar o caminho para a sufocação dela.
Ao longe, soou o clarim da primeira possibilidade de libertação: os laboratórios haviam encontrado a vacina. Mesmo os mais céticos hão de ter vibrado, quando nada porque a descoberta vinha muito aquém do tempo que, antes, se estimava
em pelo menos quatro anos. E também porque, confirmada a eficácia do medicamento, será apenas uma questão de organizar com método os mecanismos para a sua distribuição e aplicação.
Tomara que seja assim. Tomara que o nosso Ministério da Saúde não se deixe envolver pelo ceticismo do presidente da República e acabe complicando a logística. Se o presidente não quer tomar a vacina, vamos reconhecer que o problema é dele. O que não é aceitável é que essa caturrice dificulte o atendimento do desejo da maioria esmagadora de brasileiros que anseiam pela vacinação.
Quem for tolo que fique sem se vacinar. De minha parte, confesso que foi a única coisa que pedi ao Papai Noel: faça suas renas voarem mais rápido e traga-me, por favor, uma dose da vacina contra a covid. Não me importa a origem. Venha de onde vier, ela será bem-vinda. Só assim poderei degustar meu vinho natalino com tranquilidade.
Feliz Natal a todos.
(Félix Valois é Advogado, Professor, Escritor e Poeta – [email protected])