REBORN É O CACETE – Por Felix Valois

Advogado Felix Valois(AM)-

Minha avó materna, dona Maria Jaime de Magalhães, viveu um século. A idade não lhe fez perder o bom humor e a jovialidade; era, na verdade, uma gozadora. Lembro-me de uma tarde: estávamos com as roupas de domingo, esperando minha madrinha Irene que ia nos levar para brincar na praça de São Sebastião. Na hora mesma de sair, desaba um temporal bem amazônico. Chovia a cântaros, como era costume dizer. O passeio, é lógico, foi levado pela enxurrada e ficamos todos, olhos tristes e caras de tacho, vagueando pela sala. Vovó, na cadeira de balanço, dizia: “Irene, olha que as crianças estão correndo muito nessa praça; vão acabar caindo.” Não eram muito piedosos os nossos sentimentos.

Quando o professor Oldeney Valente me fez ciente dessa última marmota, que parece universal e a que chamam “bebê reborn”, foi impossível não lembrar da velhinha. Tomando conhecimento da presepada, com certeza ela soltaria uma de suas exclamações prediletas: “Vamos ser besta”. Quer dizer então que, agora, quem não consegue procriar pode encomendar um boneco feito a capricho, com a perfeita aparência de um ser humano? Até dar para admitir, com muita boa vontade, que a encomenda seja feita. Já é uma leseira, mas deixa pra lá. Daí, porém, a querer tratar o objeto como se fosse gente vai uma distância impercorrível.

Soube que levaram um desses “reborn”, com a intenção de batizá-lo, a um templo católico. Ao que me consta, o sacerdote se recusou a ministrar o sacramento. Como seria possível afastar o satanás do mamulengo se ele não era nem capaz de degustar o sal nem de chorar? No caso específico, era uma “reborna” (suponho que seja esse o feminino aplicável aos da espécie e do gênero feminino). E lá voltou a mãe rebornável com o mondrongo toldo envolto numa camisola do mais fino linho. Soube que ficou revoltada. Não lhe era dado entender como podia a igreja recusar a chegada de mais um cristão. Corre à boca pequena que, muito ligada à mãe insatisfeita, uma amiga a aconselhou a procurar o Malafaia, na esperança de que este santo homem receba o boneco e faça um milagre pinoquiano.

O professor Oldeney Valente, não se podendo afastar de sua vocação para a ciência jurídica, aventou hipóteses interessantes. Será que essas criaturas vão poder ser inscritas como dependentes para o imposto de renda? Terão os pais rebórnicos direito à percepção do salário-família? Já se vê que a coisa não veio para brincar e pode mesmo a ajudar a atravancar ainda mais a pauta do judiciário. Pode até haver mais ações de investigação de paternidade, buscando esclarecer qual foi o mentecapto que primeiro teve a ideia de produzir um boneco como esta ou aquela característica. Cuido que os exames de ADN não serão de muito utilidade em pendengas dessa ordem, diante da dificuldade de fazer o reborn abrir a boca para a coleta do material.

Não se sabe ainda quanto dura o período de gestação desses seres de novo tipo. Digamos, porém, que um artesão, competente e dedicado, seja capaz de criar um reborn a cada mês. Admitamos, ainda, que uma delicada senhora, há anos angustiada pela ausência da maternidade, encomende ao artista bebês para cada um dos doze meses subsequentes. Ao fim de um ano, como não escaparia mesmo a um reborn, terá sua prole composta de uma dúzia de bonecos. Já pensou na trabalheira? Certidões de nascimento, cartões de vacina, berços e fraldas! Vai a pobre dona de casa estar mergulhada num oceano de xixi e de cocô, além de suportar o ensurdecedor barulho dos choros.

Só pode ser brincadeira. Mas parece que muita gente está levando a sério essa idiotice, a ponto de já ter sido lançado o grito de guerra: “Reborns unidos, jamais serão vencidos”. É o começo da luta para a melhoria da qualidade de atendimento nas casas de parto dos tais bebês.

Doidice maior do que essa (ou pelo menos de igual quilate) foi uma que, de passagem, vi na internet. Parece que é na Europa. Grupos de pessoas, que se consideram afins de uma determinada espécie de animal, reúnem-se e, então, se comportam como o bicho escolhido. Latem, uivam, grasnam ou rastejam, tudo de acordo com o manual.

Se a moda chegar ao Brasil, conheço muita gente que vai, logo, logo, renunciar à sua falsa condição de bípede para, cedendo à sua verdadeira natureza, passar a andar sobre quatro patas. Como, aliás, deveria ter feito desde o nascimento.,(Felix Valois é Advogado, Professor, Escritor e Poeta – [email protected])