Saraiva em recuperação judicial – Por Osíris Silva

Economista Osiris Silva(AM)

Se a situação do escritor já estava difícil, hoje, com a quebradeira que vem atingindo as livrarias tornou-se pior ainda. Escrever livro é tarefa difícil, sofrida. O escritor se dedica de corpo e alma a escrever uma obra, quando conclui começa outro calvário: conseguir recursos para produzir editorialmente e imprimir, depois conseguir uma livraria que aceite colocar seu livro em suas prateleiras a taxas exorbitantes.

De acordo com informe divulgado nesta sexta-feira, 23, pelo Estado de S. Paulo, mais uma livraria é abatida pela séria crise econômica que se abateu sobre o Brasil nesses últimos anos. A rede Saraiva, à exemplo da Cultura, pede recuperação judicial. Com dificuldade para honrar dívidas que chegam a R$ 674 milhões, a maior rede de livrarias do país, com fortes dificuldades financeiras, agora em concordata acredita que, livre de compromissos de curto prazo, possa se reestruturar e assim voltar a pagar seus fornecedores.

A Saraiva, líder do mercado livreiro no Brasil, já fechou cerca de 20 lojas, demitindo 700 funcionários. A empresa, segundo a matéria do Estadão “é a segunda empresa do setor em pouco mais de um mês a pedir proteção da Justiça para reestruturar débitos e tentar seguir em operação. A Cultura está em recuperação judicial desde o mês passado”.

Informa o Estado de S. Paulo que “as dificuldades da Saraiva ficaram evidentes no início deste ano, quando a companhia atrasou pagamentos às editoras de livros – suas principais fornecedoras. A companhia voltou a ter dificuldades nos últimos meses, e foi iniciado um novo período de negociações. Após não conseguir fechar acordo, a companhia decidiu pela recuperação judicial”.

Situação preocupante

O reflexo da crise que se abateu sobre as duas principais redes, acende a luz vermelha para a fragilidade do mercado editorial brasileiro. Situação que se agrava em decorrência da baixa média anual de leitura de livros no país. O brasileiro, regra geral, não gosta de ler. Quando lê opta preponderantemente por livros de orientação religiosa, auto ajuda, aventuras fantásticas, de cunho erótico; sub literatura, enfim.

Segundo o Portal T5 Paraíba, em estudo publicado em abril deste ano, o brasileiro, por ano, lê em média 2,43 livros, como mostrou a pesquisa divulgada na 4ª edição dos “Retratos da Leitura no Brasil”, desenvolvida em março de 2016, pelo Instituto Pró-Livro. De acordo com a instituição, vários fatores podem contribuir para a falta de costume em ler, como a desigualdade social, o analfabetismo, a falta de estrutura familiar e o educacional.

O estudo revelou ainda que 30% da população nunca comprou um livro. Para o Instituto, não é difícil de entender esse quadro social, já que no Brasil o analfabetismo ainda é uma realidade que atinge 11,8 milhões de pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2017.

De acordo com o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), apesar do percentual da população alfabetizada funcionalmente ter passado de 61% em 2001 para 73% em 2011, apenas um em cada 04 brasileiros domina plenamente as habilidades de leitura, escrita e matemática. Ou seja, o aumento da escolaridade média da população brasileira teve um caráter mais quantitativo (mais pessoas alfabetizadas) do que qualitativo (do ponto de vista do incremento na compreensão leitora).

O estudo levou em conta que, em 2015, 56% da população brasileira com cinco anos ou mais é considerada leitora de acordo com os critérios da pesquisa (ter lido ao menos um livro, inteiro ou em partes, nos três meses anteriores à pesquisa).

Mercado de discos

O mesmo fenômeno ocorre no mercado de discos, cujas grandes redes, espalhadas por todo o país evaporaram-se dos anos 1990 para cá em consequência da evolução tecnológica das mídias. Nesse processo foram banidos do mercado os LPs, substituídos pelos CDs, já desbancados por plataformas digitais, cujo acesso universal e direto dispensa a compra de CDs.

Na esteira alucinante dos avanços tecnológicos, a maior vítima é a própria música. Hoje no Brasil a maioria dos jovens desconhece os grandes compositores e intérpretes de canções românticas e da Música Popular Brasileira (MPB). Ouvir falar certamente já ouviram, mas quantos chegaram a comprar um CD de Elis Regina, Milton Nascimento, João Gilberto, Edu Lobo, João Donato, Elizete Cardoso, Beth Carvalho, Vinícius de Moraes, Martinho da Vila, Zeca Pagodinho, Paulinho da Viola ou Tom Jobim?

Enquanto isso, explodem na mídia e no showbiz imensa quantidade de intérpretes bregas que hoje dominam o mercado de discos no Brasil. Entre essas “celebridades”, cito algumas: Abel & Caim, Alex & Yvan, Amado & Antônio, As Galvão, Cacique & Pajé, Cascatinha & Inhana, Vítor e Leo, Pablo Vitar, Anitta, Jojó Todinho, Jacó e Jacozinh, etc. No conjunto dessa estirpe de sertanejos modernos, pioneiros como Alvarenga e Ranchinho, Jararaca e Ratinho, Toninho e Tinoco, absolutamente não têm vez.

Na verdade, país inculto não lê nem ouve música de qualidade. A mediocridade, competentemente, ocupa os espaços que a ignorância lhe abrem.

Defasagem de preços

A reportagem do Estadão salienta, por outro lado, que, “apesar de a venda de livros apresentar uma pequena alta em 2018 – de cerca de 5% em valores, segundo o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) –, a Saraiva lembrou que o preço do produto tem subido bem menos do que a inflação. Segundo a companhia, enquanto o IPCA – índice oficial de inflação – subiu 53,8% de 2000 a 2017, o valor unitário do livro caiu 8%, na mesma comparação”.

Outro segmento que já foi a segunda maior fonte de receitas para a Saraiva – música e filmes – foi bastante afetado por avanços tecnológicos, segundo a companhia, que cita no documento de pedido de recuperação a emergência de serviços como Netflix e Spotify nessa área, conclui o Estado de S. Paulo..

Histórico

Fundada em 1947, a origem da Saraiva remonta, no entanto, a 1914, quando o livreiro Joaquim Ignácio da Fonseca Saraiva, um imigrante português, abriu uma pequeno sebo na rua do Ouvidor, em São Paulo, chamado Saraiva & Cia. A Saraiva é uma companhia aberta desde 1972. Em 2008, adquiriu a rival Siciliano.(Osiris Siva é Economista, Escritor e Poeta – [email protected])