TOLICES EM CASCATA – Por Felix Valois

Advogado Felix Valoi(AM)

Fui olhar com mais atenção o cartão fornecido aos idosos para legitimar o estacionamento em vagas a eles destinadas. Além dos ditos burocráticos, encontrei um item que estabelece o prazo de validade daquele documento. Aí fiquei sem entender nada. Será que atingida a data do cartão, o ancião rejuvenesce? Se assim for, temos que nos regozijar porque estará descoberta a fórmula da vida eterna. Ora, sabendo que essa ideia não passa de utopia, tenho para mim que o tal “prazo de validade” é tão inútil quanto muro de cemitério. Quando ele for alcançado, a coisa única que terá acontecido é que o titular do cartão estará mais velho. Ou morto. Sim, porque a velhice é via de mão única e sem retorno. Chegado a esse caminho, o condutor tem a certeza absoluta de que jamais voltará ao ponto de partida e de que, muito pelo contrário, o termo final da viagem será o que o Bruxo do Cosme Velho chamava de “a voluptuosidade do nada”.

Então, por que algum gênio da burocracia entendeu de estabelecer um prazo para o velho usar o cartão? Puro masoquismo, ao fito de obrigar o infeliz da última idade a enfrentar novamente as filas e procedimentos que antecedem a emissão do documento. Ou leseira, simplesmente.

Houve quem me disse, entretanto, que se trata de precaução. O objetivo seria evitar que, tendo o titular do documento atravessado o espelho (permissão, Simão Pessoa), alguém passe a usá-lo indevida e ilegitimamente. Não duvido da possibilidade, mas ela me parece remota demais, não tendo potencial para justificar uma coisa antinatural. A verdade é que nunca me foi dado ver nenhuma fiscalização relativa à data de validade nem, o que é bem mais grave, sobre quem efetivamente está usando a vaga destinada aos meus companheiros de velhice. Leva-me tudo isso a conclusões bem objetivas. Se o velho, mesmo com o cartão vencido, está usando o lugar que lhe foi destinado, nada de anormal ou sobrenatural. É apenas o exercício legítimo de um direito. Se, ao contrário, quem acomoda seu carro na vaga específica não é um velho, então não haverá regra que consiga contornar o transtorno. Estaremos diante de uma escandalosa falta de educação cívica e também doméstica. O infeliz que assim agir não está preparado para o mínimo de convivência social. É um estúpido.

Fica-me, assim, a impressão de que muita gente tem a inutilidade como meta. Não fora desse jeito, como se poderia explicar o que aconteceu esta semana no parlamento federal? Pois é: a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei, acredito que oriundo da bancada da bala, elevando as penas cominadas aos crimes contra o patrimônio. A justificativa, ao que me foi dado entender, é que, sendo mais draconiana a

ameaça de punição, haveria uma consequente e automática diminuição da conduta delituosa nesse campo. Que tolice!

Quase sessenta anos de atuação na advocacia criminal, nunca me foi dado saber de alguém que, antes de cometer um crime, tenha consultado o Código Penal para ter ideia do castigo que poderia vir a receber. Já disse, aqui e alhures, que o crime não é um fenômeno que não se restringe ao campo do direito punitivo. É, na verdade, um fato social e como tal precisa ser entendido e encarado.

Achar que o acirramento da pena pode ter algum efeito na diminuição da criminalidade é uma atitude ingênua e a revelar uma ignorância imensurável. Se assim fosse, o estabelecimento e a execução da pena de morte teriam levado à extinção do cometimento de crimes para os quais se estipulasse a punição capital. Mas não é isso que a realidade nos mostra.

Uma política de enfrentamento da criminalidade, em todos os seus campos, exige atuação interdisciplinar, com o objetivo de abordar todas as facetas sociais que se erguem ao redor da problemática. É tarefa hercúlea, diante da qual o comportamento dos deputados brasileiros surge como simples brincadeira de mau gosto.

Nenhuma sociedade pode pretender o combate ao crime se não entender que, fundamental e primacialmente, é preciso pensar na educação e tê-la como prioridade zero. Atingidos os níveis ideais de educação, o crime será apenas um acidente social, incluído na categoria da excepcionalidade.( Felix Valois é Advogado, Professor, Escritor e Poeta – [email protected])