A morte de Amazonino Mendes, ocorrida na último domingo (12), encheu de tristeza o povo do Amazonas. Nem poderia ser diferente porque foi a partida de um homem que tinha o Amazonas no nome, no coração e em todos os atos que praticou em sua bem-sucedida vida pública. Tive a felicidade de ser amigo de Amazonino durante mais de 40 anos e a honra de participar com ele do governo do estado durante oito anos, na condição de vice-governador e secretário da Fazenda. Sou, portanto, testemunha de todo o seu esforço para melhorar a vida dos mais humildes cidadãos amazonenses.
Amazonino dedicou boa parte de seus 83 anos à vida pública, propondo-se a governar com austeridade e ousadia, sempre disposto a encarar grandes desafios e a fazer as coisas de maneira diferente que os demais. Carismático, costumava se autointitular “revolucionário”, termo que sempre refutei devido à associação com a guerrilha e batalhas sangrentas. Mais apropriado é defini-lo como rebelde e inovador, marcas de toda a sua trajetória.
Esse filho de Eirunepé era um homem simples e humano. Adorava estar em contato com o povo das periferias e do interior. Se lhe fosse oferecido desfrutar de uma quinzena em algum resort luxuoso nas Ilhas Maldivas, trocaria sem pestanejar por dois dias de pescaria no rio Negro.
Governador do estado por quatro vezes e prefeito de Manaus em três mandatos, realizava-se em plenitude no Executivo, a ponto de renunciar ao cargo de senador para voltar à Prefeitura manaura. Para ele, o mais importante não eram grandes obras, enormes construções de concreto que dão visibilidade ao administrador público, mas aquelas que possibilitavam oferecer serviços públicos de melhor qualidade à população. O fundamental, dizia, é fazer investimentos voltados prioritariamente às pessoas, a fim de possibilitar a elas oportunidades de progresso pessoal.
Dedicou-se a direcionar suas ações para áreas críticas como educação, saúde, segurança pública e geração de empregos, baseando suas decisões exclusivamente em critérios técnicos e executando seus programas com rigoroso planejamento. Agregador e astuto, tinha o hábito de perguntar muito.
Era um político que sabia ouvir. No governo ou na Prefeitura, dava absoluta autonomia aos seus secretários, cobrando-lhes, entretanto, as responsabilidades inerentes ao cargo. Não se aborrecia com negativas, desde que fossem fruto de argumentação consistente.
Amazonino jamais se descuidou da economia da capital ou do estado. Em 2002 , ao final de um dos seus mandatos no Palácio de Governo, o Amazonas participava com 2,32%do PIB nacional. Atualmente, 20 anos depois, essa participação é de 1,51% (significando que cerca de R$80 bilhões/ano deixaram de circular no Estado do Amazonas). Na cultura, fez uma transformação. Recuperou o centro histórico de Manaus, reformou o Teatro Amazonas, criou uma orquestra estadual, com músicos expatriados da Bielorrússia e outros países – possibilitando, inclusive, temporadas de óperas -, e incentivou fortemente o Festival de Parintins.
Quando Amazonino assumiu o governo, Manaus não tinha um leito sequer de UTI neonatal. As UTIs para pacientes adultos estavam sucateadas. Ao final de seu mandato, a rede de saúde estava reformulada, com 160 UTIs leitos de UTI neonatal em vários hospitais. Também foram implantados os Centros de Atendimento Integrado das Crianças (CAICs) e os Centros de Atendimento Integrado dos Idosos (CAIIs), entre outras melhorias. Para aumentar a segurança pública, foram feitos, por exemplo, investimentos em inteligência, com cuidadoso mapeamento dos locais, dias e horários de maior incidência criminal. Em 2002, o estado tinha índices de violência bem menores do que os de hoje, mesmo considerando-se o aumento da criminalidade como uma realidade nacional.
Antes mesmo do Bolsa Família, programa do governo federal, Amazonino criou o cartão Direito à Vida, garantindo a transferência de renda para as famílias mais carentes, bem como a Bolsa Estudantil.
Foi na educação, entretanto, que se deu a maior obra de Amazonino: a implantação da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), propiciando o acesso ao ensino superior gratuito à população. A UEA já formou cerca de 65.000 jovens, tem 23.000 alunos matriculados e oferece 65 cursos de graduação e pós-graduação, ministrados em 17 municípios. Além disso, foi criada com uma legislação que lhe assegura recursos permanentes, à prova de eventuais governantes que não enxerguem a universidade pública como prioridade.
Amazonino também costumava dizer que a maior obra social é o emprego. Com esse lema, lutou com todas as suas forças pelo Polo Industrial de Manaus. Fez uma lei de incentivos fiscais e conseguiu atrair para a capital dezenas de indústrias nacionais e estrangeiras. Também enfrentou sem medo desgastantes batalhas pelo gás natural, fonte importante – juntamente com o petróleo, fertilizantes, pescados e turismo – para a futura matriz econômica do estado.
Poucos governantes defenderam o Amazonas como ele.
Num episódio que presenciei, Amazonino foi a Brasília discutir com o governo federal atos ilegítimos que haviam sido editados contra a Zona Franca de Manaus, incluindo a nomeação de um novo superintendente da Suframa, tudo sem qualquer diálogo com o governo estadual. O governador levou seu descontentamento ao então ministro José Serra, que se manteve irredutível.
Inconformado, após a última reunião Amazonino decidiu que não aceitaria o que via como intervenção federal no estado e, portanto, renunciaria ao cargo fazendo enorme barulho na imprensa. No dia seguinte, bem cedo, recebi no hotel um telefonema da Presidência da República. Era o presidente Fernando Henrique Cardoso que, informado da reação do governador, indagava se a disposição de Amazonino era séria ou apenas um blefe. Respondi com a maior sinceridade: “Senhor presidente, não é blefe. O governador é como um índio. Se ele diz sim, é sim. Se ele diz não, é não. Além disso, ele não é apegado ao cargo”. Na mesma manhã Amazonino foi chamado para uma audiência no Planalto. O governo voltou atrás e o problema foi resolvido.
Amazonino Mendes era assim. Amável e guerreiro. Culto e simples. Como todos na Terra, não era perfeito. Sendo quem foi, deixa um legado de realizações que a história há de perpetuar. Amazonino não deixou de pensar um minuto em seu estado. É bom que o Amazonas nunca se esqueça dele. O título dessa homenagem – singela, mas sincera – foi proposital. Porque o político nunca se dissociou do ser humano Amazonino.
**Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”.