Admitindo que a população do Brasil esteja dividida em partes iguais entre os dois gêneros, forçoso é reconhecer que, na estimativa bolsonariana, somos pelo menos cem milhões de maricas. E por que fomos alçados a esse status? Simplesmente porque, atendendo a recomendação das autoridades sanitárias do mundo inteiro, optamos pelo isolamento, como forma de prevenir o avanço da pandemia.
É deboche demais, partido do presidente da República. Não satisfeito com essa piada de mau gosto, o capitão era (parece mentira) todo sorrisos diante da notícia de que fora suspensa a fabricação da vacina no Instituto Butantã. Encarou-a como uma vitória política sobre seu adversário, o governador de São Paulo, afastando qualquer consideração quanto à necessidade premente que têm o Brasil e o mundo do advento de um produto que possa pôr fim à moléstia.
Um amigo já me ponderou: “Do Bolsonaro você pode esperar qualquer coisa; menos coisa boa”. Não sei onde ele foi buscar tamanho conhecimento do modo de ser do presidente, mas o certo é que, pelo menos até agora, os fatos lhe têm dado integral razão. O homem, além de despreparado para as funções, é de um egocentrismo exacerbado, de tal maneira que suas deliberações estão voltadas para o atendimento exclusivo de sua vontade. E o povo, que ele deveria governar, que se lixe.
No que diz respeito à região amazônica, seu discurso é de um nacionalismo primário, completamente desligado da realidade fática. Claro que nenhum de nós quer entregar a região ao controle estrangeiro, venha ele de qualquer das potências. Mas é forçoso reconhecer que, com Bolsonaro, nossa política para o setor está longe de atender aos interesses nacionais e, por via de consequência, de satisfazer as expectativas do resto do mundo, que, por motivos óbvios, também tem preocupação com o assunto.
Vá alguém tentar convencer o capitão dessa verdade gritante! Haverá de ser tratado com a gentileza que ele demonstra ao sofrer a menor das contrariedades. O pior é que, ao que tudo indica, o homem está entrando na fase do delírio, que de outra coisa não se pode chamar a alusão por ele feita a uma eventual guerra contra os Estados Unidos. Não que a postura americana mereça elogio sob qualquer prisma; mas é que os fatos falam por si próprios numa questão dessa envergadura.
Agora, depois da patacoada com o guaraná Jesus, ele vem de se sair com essa dos “maricas”. Será que se trata de uma projeção do inconsciente? Quem sou eu para adentrar as profundidades da psicanálise, mas que o fato merece uma chamada para o Freud, lá isso merece
Devo dizer aos meus escassos leitores que, pessoalmente, não me senti atingido pela verborreia presidencial. Afinal de contas, com setenta e sete anos nos costados, não haveria de ser agora que eu iria mudar de orientação. Não se trata disso, portanto. A questão está em que nenhum cidadão brasileiro merece o vicejar desse deboche, a insensibilidade diante da tragédia de milhões e a brincadeira com assuntos da maior seriedade.
Agindo da maneira como vem fazendo, o capitão só faz se autoconferir um atestado de irresponsabilidade cívica, revelando-se inteiramente incapaz de guiar por mares tranquilos a nau que lhe foi confiada. Perdeu-se no tempo e no espaço e vai levando o cortejo com uma grosseria aqui e uma palhaçada mais adiante, assim como se fôssemos todos um aglomerado de mentecaptos.
Acontece que não somos nem mentecaptos nem maricas. E, em não o sendo, temos todo o direito de exigir que nosso presidente tome um chá de bom senso e passe a respeitar este grande país, no qual, infelizmente, ele encontrou apoio para chegar aonde chegou. O abuso já está se tornando insuportável.(Félix Valois é Advogado, Professor, Escritor e Poeta – [email protected])