Foi o pernambucano Gentil Alves Cardoso o autor da famosa frase: Vai dar zebra. E por que razão daria zebra (?), se o tal animal não estava incluído entre os 25 bichos (Avestruz, Águia, Burro, Borboleta, Cachorro, Cabra, Carneiro, Camelo, Cobra, Coelho, Cavalo, Elefante, Galo, Gato, Jacaré, Leão, Macaco, Porco, Pavão, Peru, Touro, Tigre, Urso, Veado e Vaca) que faziam parte da loteria criada por João Batista Viana Drumond, o Barão de Drumond, no início do período republicano, no Rio de Janeiro, para garantir a manutenção do seu zoológico. Não é demais dizer que o jogo da Quina, da Caixa Econômica, na sua primeira versão de 100 números, foi inspirado no jogo do bicho.
As pessoas, na entrada do zoológico de Drumond, apostavam num dos bichos e, no final da tarde poderiam levar o prêmio no grupo, na dezena, na centena ou no milhar. Os 25 bichos eram representados no grupo por 25 números, começando com o avestruz (01-grupo), águia (02-grupo) e terminando com a vaca (25–grupo). Portanto, cada um dos 25 bichos é representado por quatro dezenas. A vaca, que no grupo é 25, tem as dezenas 97,98,99 e 00 como referência para apostar na centena ou milhar. Complicado. Mas difícil mesmo era se dar bem no jogo. Difícil porque quem sempre saia ganhando era banca. O apostador (exemplo) jogava 1 cruzeiro em um determinado bicho e, caso acertasse, receberia como prêmio a quantia de 20 cruzeiros. Dá para perceber que se ele arriscasse a sorte nas 25 possibilidades, gastaria 25 cruzeiros e somente receberia 20. Logo, por questão de lógica, sempre estaria à mercê da sorte ou do azar. Ganhar 500 contos no milhar era o grande sonho de muita gente. Quem aposta nos jogos da Caixa Econômica sabe bem o que é isso. A única certeza é que o jogo do zoológico de João Batista Drumond não previa a intrometida zebra.
Mas a frase do técnico Gentil Cardoso tinha tudo a ver. Ao admitir a hipótese do sorteio da zebra, estava admitindo o impossível. E a “pérola” foi ofertada em 1952, quando Gentil dirigia o Vasco da Gama e o time era formado basicamente por jogadores veteranos. O time não inspirava credibilidade, mas Gentil garantia aos torcedores que daria zebra no final do campeonato, o bicho que não estava previsto na loteria criada pelo Barão de Drumond. E deu mesmo, pois o Vasco foi campeão.
Anos depois, quando a Caixa Econômica criou a Loteca, ganhava o apostador que conseguisse êxito nos 13 prognósticos. E a TV
Globo, no programa Fantástico, colocava em evidência a figura da zebrinha toda vez que a lógica era contrariada, sempre que ocorria um resultado inesperado. A zebra ganhou tanta popularidade que passou a ser sinônimo de imprevisibilidade. Mas como o imprevisível só é impossível enquanto não acontece, Gentil nos deu a certeza que devemos estar sempre preparados para a chance da zebra mostrar a cara.
Gentil Cardoso, que morreu aos 73 anos de idade, no dia 08 de setembro de 1970, dirigiu todos os grandes times do Rio de Janeiro. Em São Paulo aceitou o desafio de comandar o Corinthians num momento de dificuldades. Aliás era sempre lembrado pelos clubes nos momentos de crise. A sua grande mágoa estava no fato de nunca ter sido chamado para dirigir a seleção brasileira. E por isso ele costumava dizer:
“Só me chamam pra enterro, ninguém me chama pra comer bolo de noiva “. .
Gentil Cardoso, que exerceu a profissão de técnico de futebol por 44 anos, também foi engraxate, motorneiro, padeiro e militar, tinha muitas frases que serviam também para a reflexão dos jogadores:
“Quem desloca recebe. Quem pede tem preferência“.
Quando um jogador começava a maltratar bola, dando chutões para cima ele, ironicamente, aconselhava:
“Meu filho, presta atenção. A bola é feita de couro de vaca, a vaca gosta de capim. Portanto, coloca a bola na grama, o jogo fica melhor“.
Ele sabia distinguir o talentoso do perna-de-pau num simples olhar. Ao observar a falta de intimidade do jogador com a bola, sentenciava:
“O craque trata a bola de você, não de excelência”.(Nicolau Libório é Procurador de Justiça, Jornalista e Radialista – [email protected])