Foi de causar orgasmos cívicos ver as imagens da indignada e veemente reação do povo boliviano à tentativa de golpe em seu país. Simplesmente foi sufocado o general irresponsável que, restaurada a ordem, teve a cadeia como destino. Esfumava-se, assim, mais outra maquinação da direita lunática, inconformada com qualquer avanço no campo social, conquistado pelas forças progressistas.
Não é novidade que o pensamento retrógrado tem encontrado simpatizantes pelo mundo afora. Na Europa mesmo foi indiscutível o avanço eleitoral do atraso político, no último pleito parlamentar. Verifique-se que, na França, a descendente do infame Le Pen segue em frente, bafejada pelos ventos do autoritarismo e do reacionarismo mais inconsequente. Agora mesmo vem ela de lançar campanha, pleiteando que o futuro seja assegurado apenas às crianças brancas.
Nos Estados Unidos, país que sempre se outorgou a condição de xerife da civilização ocidental e cristã, paira sinistra a figura obesa de Donald Trump. Soam as trombetas do apocalipse, eis que a eventual volta ao poder desse ícone da estupidez representa nada menos que séria e profunda ameaça à paz mundial. Em última análise, a própria civilização corre perigo de extinção, diante da insanidade.
Na América Latina, o quadro tem sido recorrente. Qualquer historiador, independente de postura ideológica, não pode deixar de recordar o que foram os anos sessenta do último século. Com a guerra fria sempre tensionando as relações internacionais, a CIA americana se transformou num centro de produção e reprodução de golpes de estado, agindo principalmente na área sul do continente.
O Brasil foi uma das vítimas, quando em 1º de abril de 1964, os militares depuseram o presidente João Goulart e implantaram uma ditadura infame, que se arrastou, oprimiu, matou e torturou por mais de duas décadas. A Argentina, de Videla, também conheceu a supressão dos mais elementares direitos civis, enfrentando seu período de obscurantismo. Do Chile vem a pior das memórias. Pinochet, um tirano sanguinário e inclemente, conduziu um regime que não conheceu limites para a prática de atrocidades indescritíveis. Quase todo o território sul-americano se cobria do sangue de patriotas, inconformados com o retorno à bestialidade nazista.
Dá-se que, por aqui, os militares jamais conseguiram (ou quiseram) entender o papel que lhes é reservado pela ordem jurídica. São funcionários públicos, aos quais as respectivas constituições nacionais conferem a missão de zelar pela soberania do país, defendendo-o de agressões externas. São forças armadas, como não poderia deixar de ser, mas isso não lhes outorga a condições de curadoras da república.
Ora, por deterem armas, alguns militares (diria eu: os mais estúpidos ou mais espertos) se dispõem a pretender que estão numa posição de determinar os rumos da política interna. Lembram-se todos de que no Brasil, recentemente, Bolsonaro várias vezes ensaiou um golpe e, nesse intento, proclamava a existência de um pretenso poder moderador das forças armadas.
Trata-se de uma tolice jurídica das mais torpes e/ou ingênuas. Nenhuma pessoa, em consciência plena, poderá conceber que, estruturando o sistema político a partir da vontade popular, a constituição outorgue a qualquer porção do estado o poder de nulificar essa vontade para fazer valer o ponto de vista de uma facção.
Bem por isso, os democratas temos o dever de render loas ao povo boliviano pela coragem e civismo demonstrados. É imperioso difundir a certeza de que não há mais lugar para aventuras golpistas, uma vez que a quebra da ordem constitucional só pode favorecer os dinossauros do espectro político.
Assim posta a questão, só me resta lembrar que, em termos locais, é preciso repetir: Manaus, quem ama, respeita.(Felix Valois é Advogado, Professor, Escritor e Poeta – [email protected])