Foi no caminho do Mestre Duca, o Maracanãzinho da rua Cláudio Mesquita, que Zé Carlos, filho do sêo Zé Pretinho, começou a ganhar intimidade com a bola. Desde os 11 anos, nas folgas permitidas por dona Elza, ele se mandava para o campinho do velho Duca Brito e lá, com os garotos da sua idade, passava horas e horas exercitando o seu talento de futebolista.
Do campinho do Maracanã do Mestre Duca, Zé Carlos, passou a vestir a camisa do Boulevarzinho. No início como centro-avante, mas possuía um porte físico mais destacado, e, por isso, terminou sendo colocado no gol. Certa vez, o Boulevarzinho foi jogar no campo do Nacional, onde hoje está edificada a sede do clube. Atuou tão bem, fazendo defesas tão precisas, que conseguiu impressionar o treinador Alfredo Barbosa Filho.
– Naquela época, o Gadelha, que jogava no Nacional e que namorava com minha irmã Edilce, resolveu me apresentar ao Barbosa. Conversei com ele, aceitei tudo e de repente estava no gol do time infantil do Nacional.
Do infantil para o juvenil foi um pulo. Em 1964 e 1965, dois títulos consecutivos. O time formava, quase sempre, com Zé Carlos; Téo, Edmilson, Gilberto e Normando; Gadelha e Holanda; Adérito, Edson Sarquis, Maneca e Luluca.
Depois da conquista do bicampeonato, Barbosa Filho resolveu abrir mão de alguns jogadores do quadro juvenil para o profissional. Téo, Normando, Zé Carlos e Holanda foram os preferidos do treinador Juarez de Souza Cruz, um sargento do Exército, desde há muito tempo afastado do ambiente do futebol. Juarez integrou o vitorioso time do América, dirigido por Cláudio Coelho.
A estréia de Zé Carlos, no time principal, aconteceu por mero acaso. Os goleiros que disputavam a posição, na época, Vasconcelos e Chicão, não desfrutavam de grande confiança da torcida. E por isso, a diretoria do Nacional já havia solicitado, por empréstimo, ao América, o goleiro Marialvo, para garantir o gol do Nacional, num amistoso contra o Clube do Remo. Estava tudo certo, mas no dia do jogo, Marialvo teve necessidade de extrair um dente e por isso ficou impossibilitado de atuar. Juarez de Souza Cruz olhou ao seu redor, no vestiário, e não titubeou: o goleiro vai ser o Zé Carlos. Não foi uma boa estréia, pois o Nacional levou de cinco a dois, gols marcados por Pipico 3, Zezé e Adnamar. Gadelha fez os gols do time da casa, numa partida disputada num domingo à tarde, no Parque Amazonense.
Dali pra frente, Vasconcelos e Chicão sentiram que teriam que se contentar com o banco de suplentes. O novo titular não demonstrava a menor disposição de perder a posição.
– Sabe de uma coisa, eu nunca dei muita sorte em jogos de decisão. Na hora da verdade sempre pintava uma zebra. Coisas absurdas.
Realmente, pois na decisão do campeonato de 1966, por um ato impensado do árbitro José Carlos Amato, que anulou um gol de Pepeta, num jogo decisivo com o Rio Negro tudo foi por água abaixo. Prevaleceu o empate de um a um. Resultado que beneficiou o São Raimundo, que saiu como campeão da temporada.
Em 1967, no estádio da Colina, com a vitória, diante do Olímpico, o Nacional fez um a zero e a torcida fazia carnaval nas arquibancadas. Mas aos 45 minutos do segundo tempo, escanteio pela direita em favor do Olímpico. O ponteiro direito Cascadura cobrou, a bola caiu na área e Jarbas, com um leve toque de cabeça empatou o jogo.
O empate oferecia uma nova chance ao Olímpico, que teria que vencer dois jogos seguidos, para chegar ao título. Venceu os dois. No último, o Nacional chegou a ameaçar a não ir a campo, mas à última hora, por determinação do presidente Joaquim Paulino Gomes, compareceu à Colina e perdeu por 2 a zero, com gols de Sales e Gilberto.
– Sabe que eu ainda lembro a formação do time do último jogo ? A gente jogava no gol, Antonio Piola, Sula, Zequinha e Téo; Rômulo e Jorge Amaro; Pratinha, Edson Piola, Pretinho e Almir.
Mas Zé Carlos lembra de um fato interessante que antecedeu o primeiro jogo decisivo com o Olímpico:
– Bem antes do jogo, no meio da semana, eu fui procurado por um torcedor, que desejava me levar num terreiro de macumba para fazer “um trabalho”. Eu não topei, porque nunca acreditei muito nessas coisas. Minha formação religiosa não me aconselhava a aceitar aquilo. Na hora que eu levei o gol aos 45 minutos, o negão entrou em campo e disse que havia me avisado e que eu não lhe havia dado muita atenção. Fiquei meio preocupado com aquilo, sabe ?.
Terminado o campeonato de 1967, o Nacional decidiu fazer algumas contratações. Adquiriu o passe do goleiro Marialvo, que passou a ocupar a condição de titular do time. Antes, porém, houve uma boa conversa entre Zé Carlos e o treinador João Bosco Ramos de Lima.
– o Bosco me falou que eu teria que dar chance ao Marialvo, a fim de que ele jogasse e ganhasse ambiente. Mas eu sabia que o Marialvo era um tremendo goleiro e não podia me opor.
Todavia, em face de uma contusão de Marialvo, Zé Carlos voltou a ser titular. Não estava sendo muito acreditado pela própria diretoria do Nacional, mas por imposição do treinador Flávio de Souza, que estava ocupando o cargo de técnico, na ausência de Bosco, foi lançado num jogo em que o nacional teria que vencer o Olímpico para brigar pelo título com o Fast.
Nesse dia, Zé Carlos só não fez chover. Defendeu um pênalti e o Nacional venceu por 1 a zero, com um gol de Holanda.
No jogo seguinte, deveria continuar como titular, mas o treinador Bosco decidiu promover o retorno de Marialvo. Irritado, Zé Carlos, no vestiário, atirou a camisa no chão e largou o clube.
Em vista do ato agressivo, o passe do goleiro foi negociado com o Fast.
– Eu fui um atleta criado dentro do Nacional, mas na hora em que precisei de apoio moral, não mereci a menor atenção. Fui vendido assim como uma mercadoria qualquer. Sai do Nacional como um saco de batatas.
No Fast foi titular em 69 e 70, mas por incrível que pareça, não jogou nas finais. Na hora de decidir o título sempre acontecia alguma coisa.
Em 1970, por exemplo, contra o Olímpico no penúltimo jogo do campeonato, levou um gol do meio da rua. No intervalo, no vestiário, discutiu com o zagueiro Casemiro e foi afastado pelo goleiro Maneco, que inclusive jogou a final do campeonato.Ainda em 70, conseguiu passar 540 minutos sem levar um único gol. Por isso, foi agraciado com dois troféus oferecidos pela Federação Amazonense de Futebol.
– Fui o melhor goleiro em 1969, na opinião da equipe esportiva do jornal A Notícia. Em 70, houve o reconhecimento da própria FAF. Tudo isso foi muito interessante na minha vida.
Com a chegada de Marialvo, no Fast, em 1971, Zé Carlos foi novamente para a reserva. Aí começou a se desgostar. Não com Marialvo, claro, mas com seu próprio destino.
Em 1972 começou a dividir a sua atividade de goleiro e de acadêmico de Educação Física. No ano seguinte, a convite do professor Juarez Góes, presidente da Federação Amazonense de Voleibol, foi dirigir a seleção infantil. Começou a viajar com as delegações para, no final da temporada, abandonar os gramados.
Zé Carlos reconhece que no futebol fez muitas amizades de alto nível. Apesar do seu jeito brincalhão, sempre de bem com a vida, sempre mereceu o respeito e a admiração de todos.(Nicolau Libório é Procurador de Justiça, Jornalista e Radialista – [email protected])