A NOVA AMAZONENSE – Por Felix Valois

Advogado Felix Valois(AM)

Tenho plena consciência de que a Constituição Federal reservou aos estados e municípios da federação uma competência legislativa muito restrita. Com a hipertrofia dos itens atribuídos à competência exclusiva da União, entendo que deputados estaduais e vereadores encontrem muita dificuldade para o exercício de sua função primordial, que outra não é senão a elaboração de leis. Talvez por isso, para preencher esse vazio institucional, muitos desses parlamentares têm dado contribuição valiosa para o folclore político, propondo a criação de dias comemorativos e/ou a outorga de títulos e comendas das mais variadas espécies. Assim é que já se ouviu falar do “Dia do Governador”, do “Dia do Choro” e do “Dia do Saci”, ao mesmo tempo em que comendas e medalhas entregues dariam para encher a arca de qualquer pirata das Caraíbas.

É um ridículo risível que, a meu sentir, deve ser encarado com a complacência possível. É preciso observar, porém, que essa tolerância não há de ter elasticidade infinita, de tal sorte que se consiga estabelecer um limite para as extravagâncias. Não se deve consentir que estas transformem os órgãos legislativos em meros picadeiros ou em objetos de escárnio da sociedade civil.

Postas estas questões preliminares, vamos convir que a nossa Assembleia Legislativa fez um esforço sobrenatural para superar suas congêneres nos itens falta de assunto e excentricidade. Só essa exacerbada dedicação ao absurdo, aliada à mais absoluta falta de compromisso com a História, pode justificar o que aconteceu no plenário daquela Casa. Pois não é que, em plena luz do dia, sem nenhum pudor ou recato, os deputados (ressalvo as sempre honrosas exceções) não se pejaram de aprovar um projeto concedendo o título de cidadã amazonense à dona Michele Bolsonaro?

E agora, amazonenses de boa cepa? O que vai ser de nós? Ganhamos uma conterrânea biônica, que é incapaz de distinguir um rio de um igarapé, que nunca se banhou nas águas de nenhum deles e que, com certeza, não sabe a diferença entre um tucumã e uma goiaba. Mas, diz a justificativa do tresloucado projeto, trata-se de uma senhora dedicada às causas sociais. Onde, já? – perguntariam nossos irmãos do interior. Pelo que me consta a única participação da “nova amazonense” em algo parecido com movimento social, foi quando ela se dedicou ao recolhimento de fundos para si própria, coisa que fez com muita proficiência, como pode atestar a movimentação dos cheques do Queiroz.

Estamos, pois, diante de nova realidade. Pouco importa que a homenageada e seu ilustre marido tenham que prestar contas à justiça por tantas e quantas peripécias, inclusive a de tentar se apropriar de joias de valor milionário, pertencentes à fazenda nacional. Nada disso tem qualquer relevância para os deputados aprovadores do projeto. Fala mais alto às suas respectivas consciências (admitindo que as tenham) a vocação desprezível para a bajulação rasteira e para as manifestações de absoluta inutilidade.

É lamentável. Mesmo dentro do estreito campo de competência legislativa, a Assembleia poderia se transformar num grande centro de debates, onde a opinião pública fosse efetivamente ouvida e de onde se pudessem tirar conceitos e ideias, úteis para o desenvolvimento do Estado. Mas qual o quê! Prefere-se o acachapamento puro e simples à altivez da sobriedade. Joga-se o nome do estado no lixo, ao mesmo tempo em que o expõem à chacota nacional. Internacional, talvez, porque foi tamanha a insensatez que não pode ela ser confinada nos estritos limites de nossas fronteiras políticas.

Alguém tem que assumir a responsabilidade e responder pela vergonha a que estamos sendo submetidos. Michelle é a menos culpada nisso tudo. Pior, muito pior, é o comportamento dos que não conseguem vê-la como o que ela realmente é. I nvoco o dito popular: o pior cego é aquele que não quer ver. (Felix Valois é Advogado, Professor, Escritor e Poeta – [email protected])