FIM DE UM PESADELO – Por Felix Valois

Advogado Felix Valois(AM)

Há quase cinco meses teve fim o quatriênio bolsonarista. Foram tantas e tamanhas as sandices praticadas naquele período que, mesmo depois desse tempo, a vida nacional reluta em voltar à plena normalidade. Não é para menos. Ficaram as marcas indeléveis da grosseria, do fomento ao ódio, da pregação fascista, do falso discurso religioso. Não bastasse tudo isso, eis que, já implantado o novo governo, uma horda de lunáticos realiza ações desvairadas no 8 de janeiro, com o claro objetivo de desestabilizar o regime, ao fito de que fosse perpetrado um golpe de estado.

Foi um espetáculo a um tempo dantesco e quixotesco. A fúria com que idiotas investiam contra o patrimônio nacional lembrava cenas do inferno da Divina Comédia, da mesma forma como remetia para o grotesco episódio do Cavaleiro da Triste Figura a enfrentar moinhos de vento. De forma geral e “en passant”, pode-se dizer que a impressão causada era a de que se tinham aberto, por descuido ou propositadamente, as portas de um manicômio de grande porte e os doentes mentais dali egressos davam vazão à imerecida liberdade pela única forma concebida por seus cérebros enfermos.

Lamentável epílogo para uma tragicomédia que foi encenada por mais tempo do que seria racionalmente possível suportar. Bolsonaro deveria ter sido colocado sob custódia médica logo nas primeira manifestações de seu delírio megalomaníaco. A loucura era já evidente quando das informações iniciais da pandemia, em 2020. Se é certo que não se lhe podia exigir conhecimento técnico especializado, a permitir tivesse ele noção do que seria o catastrófico futuro imediato, o mesmo argumento serve para lhe censurar a irresponsabilidade e o deboche com que tratou o assunto. Disse ele algo tão boçal quanto o que, de memória, escrevo a seguir: eu sou um atleta e não vai ser uma gripezinha que vai me abalar.

Seus recalcitrantes adeptos, calejados nos aplausos ao “mito”, haverão de argumentar que, àquela época, ninguém tinha ideia das proporções que a doença tomaria. E é verdade. Mas o argumento perde toda e qualquer consistência quando, sabendo-se já que a covid estava dizimando vidas humanas às centenas de milhares, o pândego persistiu na atitude negacionista, complicando a aquisição de vacinas e, por via de consequência, de um plano de imunização do povo.

Nossa cidade de Manaus foi particular e especialmente contemplada com os efeitos dessa irresponsabilidade. Aqui, as covas coletivas foram cavadas a mancheias para receber os restos mortais de brasileiros que não puderam receber nem

a despedida de seus familiares. Isso para não falar na monstruosidade que foi a falta de oxigênio nos hospitais da capital, gerando cenas capazes de competir em horror com a visão das câmaras de gás nazistas, a sufocar milhões e milhões de seres humanos, numa das maiores crueldades de nossa história.

Enquanto isso, Bolsonaro se refestelava na sua insensatez e se dava à pachorra de imitar grotescamente a respiração ansiosa de uma pessoa com falta de ar. Paralelamente a isso, dava curso a uma pregação golpista, tentando desmoralizar o processo eleitoral e difundindo a falsa ideia de que as forças armadas têm poder moderador no ordenamento jurídico brasileiro.

Acabou esse pesadelo. Felizmente acabou. Cabe a nós, agora, esquecê-lo e tentar, com a rapidez que for possível, fazer o Brasil voltar aos trilhos da normalidade. O pior já passou.

P. S. – Deixou-nos, nesta semana, o doutor Alberto Petrônio Benevides de Carvalho. Era meu amigo há mais de quarenta anos e, de formação jurídica, optou por ser Delegado da Polícia Civil. Destacou-se por sua serenidade e sensatez, deixando comprovado que ser policial não significa ser mal educado ou grosseiro. Petrônio era um homem sensível, convivendo com a poesia e a música. Basta dizer que, no meu recente aniversário, me presenteou com a obra completa de Drumond. Fica minha integral solidariedade à Edira, sua mulher, e à Wanessa e ao Marcelo, seus filhos. São muitas as saudades.(Felix Valois é Advogado, Professor, Escritor e Poeta – [email protected])