História do jornalismo: morre Eliezer Favacho

Jornalista Eliezer Favacho(Histórico)

O jornalismo tem histórias inacreditáveis para um colega, recém-saído da faculdade, que vive em meio às facilidades tecnológicas. O jornalista Eliezer Favacho, que faleceu este sábado (29/04), vítima de um AVC, era diagramador. A profissão, praticamente, desapareceu com as templates (modelos) disponíveis em centenas de APPs. Eliezer não dispunha de nada disso e desenhava, todos os dias, páginas e páginas de jornal.

Desenhar? Sim, entre paicas (picas, em inglês), pontos e polegadas, ele tinha que entregar para a gráfica toda a página calculada, palavra por palavra, foto por foto, para montagem e impressão.

Nosso melhor período foi no Amazonas em Tempo, eu editor e ele diagramador de Cultura. Sobraram histórias deliciosas dessa convivência, sempre com muito bom humor e uma ou outra discordância, porque ninguém é de ferro, resolvida… com bom humor.

Aníbal Beça

O saudoso poeta Aníbal Beça, um dos colaboradores, escreveu um conto para nós. Tratava-se de um sujeito que, voando de Manaus a Tabatinga, ou vice-versa, viu uma caixinha mais que suspeita, com um vizinho de assento. Criou uma extensão de canudinhos e viajou cafungando o conteúdo da caixa, sem que o dono notasse. Sentiu-se noiado. Na chegada, elogiou o “produto”, dizendo que nunca tinha experimentado nada igual. O vizinho, que nada percebera, com os olhos cheios de lágrimas, explicou: “São as cinzas do meu pai”.

Esse conto, que sintetizei ao extremo, nos chegou numa sexta, quando tínhamos que fechar os jornais de sábado e de domingo. O “domingão” era mais que especial, nas páginas de Cultura do Em Tempo, desde os tempos de Mônica Maia, a primeira editora.

Corri com o ilustrador, Euros, outro talento fora da curva. Fomos os dois ao Eliezer. O texto era curto, para uma página inteira, mas decidi abrir com ele. Conversamos, Euros foi para a prancheta (era tudo na mão e na hora) e Eliezer perto dele, orientando quanto ao espaço.

Euros fez uma ilustração de ossos, entrando e saindo do texto, circundando a página, transformados em canudinhos.

“Como é que isso vai entrar?”, pensei, comigo mesmo. Eliezer, pacientemente, desenhou tudo. Conversou com a impressão. E o resultado foi espetacular, digno de prêmio. Ficou uma página gráfica, artística, como exigia um caderno de Cultura daquele nível.

Trabalhamos juntos, depois, no Jornal do Commercio e em A Crítica. Sempre que o chamava, embora trabalhando com outros editores, ele me atendia. Vivia na esperança de algo mais desafiador, do jeito que gostava.

Eliezer Favacho, que o jornalista Mário Adolfo dizia vestir as bermudas do colunista Alex Deneriaz como calça comprida, levava tudo na esportiva. Mesmo quando, diretor do Sindicato dos Jornalistas, teve que se meter em escaramuças, defendendo a categoria.

Esse jornalismo tinha muito de romantismo. Deixa, nessas recordações, enorme saudade. Uma parte significativa dele se vai, com a partida de Eliezer. Descanse em paz, parceiro.(Portal Marcos Santos)