IDEOLOGIA E RADICALISMO – Por Felix Valois

Advogado Felix Valois (AM)

Numa Copa do Mundo do século passado, a seleção nacional enfrentou a da União Soviética. Em frente à televisão, éramos de oito a dez pessoas. Ainda no primeiro tempo da partida, o time adversário fez um gol e um dos espectadores comemorou. Foi evidente o constrangimento, tolerando-se a inconveniência por mera questão de educação.

No intervalo, senti-me na obrigação de conversar com o divergente e dele saber a razão para o seu bizarro comportamento. Ouvi algo mais ou menos assim: ele não podia torcer pelo Brasil porque isso significaria, em última análise, manifestar apoio à ditadura militar, que, então, se achava no auge das suas práticas repressivas. Restaram inúteis as minhas tentativas de demonstrar que o país e a nação estão muito acima de eventuais e temporários governos e regimes. O homem fincava pé na afirmativa de que não podia fazer qualquer concessão aos que torturavam e matavam compatriotas por simples divergências ideológicas.

Jamais esqueci o episódio. De imediato ele me trouxe à lembrança um clássico de Lênin, intitulado “A Doença Infantil do Esquerdismo no Comunismo”. Aquilo a que assisti era a confirmação prática da tese desenvolvida na obra do grande revolucionário: a tendência para o dogmatismo afeta a visão científica do indivíduo, de tal forma que ele perde a noção do universal. É como ver a árvore mas não conseguir enxergar a floresta.

Se coisas desse tipo acontecem nos arraiais da esquerda, resulta indiscutível que, guardadas as devidas proporções, a direita há de enfrentar problemática semelhante. Bem a propósito é de mencionar a pândega a que se entregou a Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Em dia de infeliz inspiração, os parlamentares daquela casa aprovaram projeto de lei considerando o dia 8 de janeiro como o Dia do Patriota. Cheguei a imaginar que se tratava apenas de mais outra manifestação da “síndrome da criação de dias” que grassa lépida e fagueira pelos terreiros legislativos do país, e é responsável por pérolas como o “Dia do Choro” e o “Dia do Silêncio”.

Ao depois, porém, me dei conta do alcance do significado ideológico que se subsume na decisão dos vereadores gaúchos. É a proclamação clara do inconformismo da direita lunática com o resultado eleitoral do ano passado. Até aí estaríamos dentro dos limites do exercício do “jus esperniandi”. Mas os vereadores foram além: mandaram recado duro para as bases do estado democrático de direito, ameaçando-as de demolição caso se frustrem as pretensões golpistas.

Com efeito, ser de direita é apenas uma opção. A coisa, porém, muda de figura quando se busca justificar e, no caso, elogiar a postura de um grupo de estafermos que, em insano delírio, invade prédios públicos e destrói o patrimônio nacional. Equivale, sem sombra de dúvidas, a comemorar o gol contra a seleção brasileira. Ambas as atitudes são tolas, insensatas e sem qualquer respaldo lógico.

Tive notícia de que o Supremo Tribunal Federal já jogou no lixo a leviandade gaúcha. Ainda bem. Se é certo que a pluralidade de opiniões é indispensável numa democracia burguesa, nem por isso devemos baixar a guarda quando o fanatismo de grupos minoritários põe em risco as estruturas até dessa democracia.

Só para terminar: no jogo referido no início, o Brasil virou o placar e venceu. Como nunca sofri do “esquerdismo”, comemorei com o Johnny Walker vermelho.(Felix Valois é Advogado, Professor, Escritor e Poeta – felix.valois@gmail.com)