Inquérito que investigava suposta execução envolvendo Fabrício Queiroz e Adriano da Nóbrega prescreve, e caso fica impune

Adriano Nóbrega e Fabrício Queiroz/Foto: Reprodução

O inquérito da Polícia Civil do Rio que investigava a morte de um homem durante uma operação policial que teve a participação do então sargento da Polícia Militar Fabricio Queiroz prescreveu, sem que ninguém tenha sido responsabilizado.

No pedido de arquivamento entregue à Justiça, o promotor Cláudio Calo fez duras críticas ao trabalho da Polícia Civil neste caso.

“Infelizmente, a investigação começou e perdurou por 17 anos de forma completamente equivocada, pois, além de ter demorado quase um ano para instaurar o inquérito policial, a autoridade policial procurou adotar de maneira precipitada a tese de legítima defesa, descartando possível prática de crime de homicídio, tendo sido cometidas diversas falhas que dificultaram o êxito das investigações”, escreveu o promotor.

Anos depois, Queiroz virou assessor de Flávio Bolsonaro na época em que o atual senador era deputado estadual no Rio e virou pivô do escândalo da suposta rachadinha no gabinete dele na Alerj.

Outros 4 policiais militares também participaram da operação. Entre eles, o então primeiro tenente Adriano da Nóbrega, morto numa operação na Bahia, em 2020.

O caso ocorreu na madrugada de 15 de maio de 2003, na favela Cidade de Deus, na zona oeste do Rio.

Em depoimento na 32ª DP (Taquara) logo após a operação policial, Queiroz e Adriano alegaram que entraram na Cidade de Deus com o objetivo de reprimir o tráfico de drogas. Disseram que encontraram um grupo de pessoas armadas que, ao avistarem a viatura da polícia, efetuaram diversos disparos.

Segundo a versão de Queiroz e Adriano, eles revidaram com tiros de fuzil, em legítima defesa. Os outros três PMs não teriam atirado.

Ainda de acordo com Queiroz e Adriano, após o confronto, eles encontraram um homem negro, aparentando 30 anos, caído no chão, com uma bolsa preta que continha cocaína e uma pistola. Depois, a vítima foi identificada no Instituto Médico-Legal como Anderson Rosa de Souza.

Na promoção pedindo o arquivamento do caso por prescrição, o promotor Cláudio Calo usou adjetivos como “inacreditável”, “surreal”, “precipitado”, “açodado” e “surpreendente” para classificar os erros do inquérito da Polícia Civil.

Segundo o Ministério Público, o delegado devolveu os fuzis usados pelos policiais sem fazer qualquer perícia. Apenas a pistola supostamente encontrada com Anderson foi periciada.

“É de se indagar: por que a arma de fogo supostamente apreendida em poder de ANDERSON ROSA DE SOUZA foi submetida à exame pericial e os fuzis apreendidos em poder dos policiais militares foram devolvidos no mesmo dia da morte de Anderson, sem terem sequer submetidos à exame pericial?”, questionou o promotor.

O laudo cadavérico apontou que Anderson foi atingido por três tiros, sendo que um pela frente e dois por trás.

“Ora, dos três projéteis de arma de fogo, dois entraram pela parte de parte de trás do corpo do ‘de cujus’, sendo que um atingiu a cabeça e outro as costas, enquanto o terceiro entrou pelo peito do ‘de cujus’, o que faz com que a tese dos dois policiais militares, ora investigados, perca verossimilhança, havendo mais elementos de ocorrência de um crime de homicídio do que propriamente atuação em legítima defesa. Ainda assim, a linha de investigação da autoridade policial à época foi no sentido de que o ‘de cujus’ teria resistido e os PMs agiram em legítima defesa, direcionando a persecução penal para tal conclusão açodada”, ressalta Calo.

O corpo de Anderson foi reconhecido no IML pelo irmão dele, Alexandre Rosa de Souza. Apesar disso, nem ele e nenhum outro familiar do morto foi ouvido no inquérito.

“Ao longo de 17 anos, a autoridade policial procedeu à oitiva de apenas duas pessoas, justamente os policiais ADRIANO DA NÓBREGA e FABRÍCIO QUEIROZ, não tendo procurado colher depoimentos de familiares, vizinhos e outras pessoas próximas à ANDERSON ROSA DE SOUZA, muito menos moradores da localidade, apesar de ser uma diligência comum e necessária”, destacou o promotor.

Cláudio Calo também criticou o fato de a Polícia Civil ter instaurado inquérito somente dez meses depois do caso.

“Não pode passar despercebido que a autoridade policial da 32ª DP, à época dos fatos, não só devolveu os fuzis aos policiais militares sem serem examinados pelo setor pericial da PCERJ [Polícia Civil do Rio], como também instaurou inquérito policial tão somente no dia 03 de março de 2004, ou seja, quase um ano após a ocorrência dos fatos (10 meses), capitulando inicialmente os fatos como ‘homicídio proveniente de auto de resistência’, o que não é uma postura adequada num caso evolvendo morte por disparo de arma de fogo”, afirma o Ministério Público.

O promotor destaca que a partir de junho de 2020, com a entrada dele no caso, o inquérito começou a andar – já sob a responsabilidade da DEAC (Delegacia Especial de Acervo Cartorário), uma delegacia com pouca estrutura.

“Certo é que, após o Ministério Público ter apontado diversas falhas nas investigações, ter feito exigências, as investigações se desenvolveram um pouco mais, sendo que foram feitas inúmeras diligências investigatórias, que deveriam ter sido feitas quando da instauração do inquérito policial, devendo-se consignar que a DEAC procurou fazer alguma coisa de concreto, muito embora, com a devida vênia, deveria a PCERJ ter optado por redistribuir o presente feito para uma unidade de polícia especializada, no caso a Delegacia de Homicídios, uma vez que possui mais ‘expertise’ e melhor estrutura do que propriamente a DEAC, o que é notório. No entanto, foi uma decisão administrativa da PCERJ [Polícia Civil do Rio] o encaminhamento da investigação para a DEAC, o que também dificultou a solução exitosa do presente caso”, ponderou.

E o promotor conclui: “Certo é que os fatos ocorreram no dia 15 de maio de 2003, portanto, há mais de 20 anos, restando operada a prescrição da pretensão punitiva, o que impede o prosseguimento da persecução penal, não tendo o Ministério Público outra alternativa a não ser promover o encerramento das investigações”.

O que dizem os envolvidos
Em nota, o advogado de Fabrício Queiroz, Paulo Emílio Catta Preta, disse que a notícia do arquivamento já era esperada.

Queiroz também enviou uma nota para a reportagem.

“Ao incursionar a comunidade, minha patrulha foi recebida por vários disparos de armas de fogos por meliantes fortemente armados, que revidamos a injusta agressão. Que após vários elementos fugirem um dos elementos foi atingindo vindo a óbito. AUTO DE RESISTÊNCIA lavrado na delegacia da área. AUTO DE RESISTÊNCIA é a única jurisprudência que justifica o policial atirar para salvar a sua vida ou de outrem. E essa ocorrência só tomou esse rumo todo porque à época trabalhava com o cap Adriano”.

A GloboNews entrou em contato com a Polícia Civil do Rio, mas não teve resposta.

Não conseguimos localizar a defesa de Adriano da Nóbrega.(g1)