Morre o jornalista Paulo Carvalho, que deu voz a Eliza Samudio e a outras vítimas da violência

Jornalista Paulo Carvalho morre aos 47 anos no RJ/Foto: Reprodução

Não são apenas as muitas — e brilhantes — coberturas sobre segurança pública do Rio de Janeiro que marcaram a trajetória do jornalista Paulo Carvalho, que morreu ontem, quinta-feira, aos 47 anos, vítima de um infarto fulminante.

As histórias surpreendentes que ele contou nas páginas dos jornais “O Povo”, onde começou sua carreira, “A Notícia”, “O Dia” e EXTRA revelam um profissional sensível, com olhar apurado para a notícia e que, ao se colocar no lugar do outro, traduzia sentimentos em palavras.

Foi assim quando entrevistou Eliza Samudio, assassinada pelo goleiro Bruno em junho de 2010, e gravou na porta de uma delegacia, usando um celular, o único depoimento da vítima sobre as ameaças e agressões sofridas. Ao acreditar e dar voz a ela, ganhou sua confiança e ouviu relatos que, posteriormente, colaboraram para a condenação dos envolvidos. O vídeo, gravado em 13 de outubro de 2009, foi mostrado no segundo dia do julgamento do goleiro. Enquanto muitos diziam que a jovem queria fama, Paulo Carvalho teve a sensibilidade de ouvir seu pedido de socorro. Em 2014, as incontáveis horas de investigação sobre o caso se juntaram a informações dos também jornalistas Paula Sarapu e Leslie Leitão e deram corpo ao livro “Indefensável — O Goleiro Bruno e a História da Morte de Eliza Samudio” (Record).

O faro para a notícia ia longe e, sem fazer alarde, ele deu um furo internacional de reportagem ao descobrir, em Magé, uma antiga paixão do então candidato à presidência dos Estados Unidos, o ex-senador republicano John MacCain. O ano era 2008, e as revelações saborosas de Maria Gracinda Teixeira de Jesus, então com 77 anos, sobre o tórrido romance com o político nos anos 1950, no Rio, tiveram repercussão imediata.

Entre 1998 e 2012, período em que trabalhou no EXTRA, cobriu os principais acontecimentos da área, como a guerra da Rocinha, em 2004; o helicóptero da PM abatido no Morro dos Macacos, em 2009; a tomada do Complexo do Alemão, em novembro de 2010; e a pacificação da Rocinha, em 2011, e de muitas outras comunidades do Rio. A dura realidade da cobertura policial não tirou do jornalista a empatia. Ao encontrar na rede social Orkut uma comunidade que pedia justiça pelo assassinato de um mendigo, em Santa Cruz, se comoveu e contou com detalhes a história de Manoel Pedro da Conceição, o Bororó. Devolveu, nas reportagens que escreveu, a identidade a um homem que viveu 40 anos invisível nas ruas. Paulo fez a diferença e criou no EXTRA o nome de uma premiação que, por anos, foi disputada pelos repórteres da redação: o Prêmio Bororó.

— Só alguém com muita sensibilidade para fazer uma matéria não de polícia, mas de direitos humanos sobre o extermínio de um mendigo. — diz o jornalista Octavio Guedes, comentarista da Globonews e ex-editor de Paulo Carvalho no EXTRA.

Querido entre os colegas, Paulo Carvalho era um repórter que sempre surpreendia seus editores.

— Eu lembro perfeitamente o dia em que a imprensa internacional estava procurando uma suposta namorada do MacCain, e o Paulo Carvalho chegou, na maior tranquilidade, e disse “eu acho que ela é de Magé e eu vou achar”. Foi um furo internacional que repercutiu nos Estados Unidos e na Europa.Ele achou a mulher, em quem ninguém acreditava. Ele acreditou e deu um furo internacional — conta Octavio Guedes.

Para ele, erra quem pensa que Paulo Carvalho foi um repórter de polícia:

— Ele foi sobretudo um jornalista, que tinha um faro para a notícia e uma sensibilidade tremenda. Ele surpreendia a gente todos os dias e foi uma figura humana extraordinária. Eu estou arrasado pela perda do amigo.

Ex-chefe de Paulo Carvalho no EXTRA, Denise Ribeiro comentou sobre o talento do jornalista:

— Toda vez que ia para a rua, voltava com uma matéria boa, nos obrigando a mudar o jornal para dar destaque aos furos que ele trazia. Sempre surpreedendo e, apesar de cobrir polícia, era versátil e capaz de descobrir boas histórias distantes do universo em que ele atuava.

Em 2013, Paulo Carvalho se tornou assessor na Coordenadoria Especial de Transporte Complementar, da Prefeitura do Rio. Em seguida, também trabalhou nas secretarias de Ordem Pública e de Administração Penitenciária, onde atuou até os primeiros meses do governo de Wilson Witzel.

Paulo Carvalho deixa mulher, a também jornalista Janaína Ferreira, e dois filhos, João Gabriel, de 18 anos, e Pedro Henrique, de 11.

O sepultamento do jornalista será às 16h no cemitério Jardim da Saudade, em Sulacap.(G1/Extra)