Naça no Maracanã – Por Nicolau Libório

Procurador Nicolau Libório(AM)

Posso garantir que 1969 foi marcante para o mundo e, também, para mim. Foi nesse ano que os astronautas Michael Collins, Edwin Aldrin e Neil Armstrong fizeram história. O ser humano chegava à lua. Armstrong, no mês de julho, 50 anos atrás ao pisar no solo lunar, afirmava: é um pequeno passo para o homem, mas um passo gigantesco para a humanidade.

Foi em 1969, no mês de outubro que eu, Luiz Eduardo Oliveira, José Augusto Roque e Belmiro Vianez deixávamos a Rádio Rio Mar para formar, na Rádio Difusora, a mais forte e badalada equipe de esportes do rádio amazonense.

E foi exatamente no dia 24 de agosto de 1969, no jogo preliminar de Brasil e Venezuela, que o Nacional, primeiro clube amazonense a experimentar o gramado do Maracanã, saboreava uma importante vitória em cima do Grêmio Esportivo Maringá. De lá para cá se passaram 50 anos, mas as lembranças estão preservadas. È bom lembrar de uma época em que o romantismo fazia parte da agradável atmosfera que envolvia o futebol amazonense. Vamos falar então sobre o Naça no Maracanã.

A ideia de levar o campeão amazonense para uma apresentação no gramado do estádio Mário Filho foi do repórter Denis Menezes, da Rádio Globo, amazonense que começou a carreira na Rádio Baré de Manaus. Mas o grande articulador para que tudo se materializasse foi Flaviano Limongi, à época presidente da FAF.

Entusiasmado com a possibilidade de expor o representante do futebol amazonense na grande vitrine do futebol brasileiro, Limongi resolveu tratar do assunto pessoalmente com João Havelenge, Presidente da Confederação Brasileira de Desportos. Na tribuna de honra do Maracanã, no primeiro semestre de 1969, Limongi ao encontrar Havelange, foi direto ao assunto. E a resposta foi animadora: “Pois não, presidente. Você manda. Aliás, eu tinha desejo de realizar promoções assim. Você escolhe o dia que quer trazer o seu campeão, e pronto. Está tudo aprovado. Pode contar com a minha cobertura e o apoio da CBD”, garantiu o homem que anos depois chegaria à presidência da FIFA.

De volta a Manaus, cidade pacata que começava a viver os efeitos da Zona Franca, Limongi conseguia ser a própria imagem da felicidade. Sua primeira providência foi reunir com a diretoria do Nacional, campeão de 1968. No palacete da rua Saldanha Marinho, na presença do presidente Joaquim Paulino Gomes, do vice Vicente Cruz e dos diretores Manoel Nogueira Maciel, Maurício Costa, Samuel Facundo do Valle, José Renato Uchôa e Alfredo Ferreira Pedras, expôs a necessidade de um trabalho muito bem planejado, a fim de garantir o sucesso da empreitada. Mas o ânimo da diretoria do Naça só ficou evidente quando, por telegrama, João Havelenge confirmou que o adversário seria o Grêmio Esportivo Maringá, campeão do Paraná, na preliminar de Brasil e Venezuela, pelas eliminatórias da Copa do Mundo.

Jogo confirmado e adversário conhecido, Limongi e os diretores do Naça perceberam que já era hora de cair em campo. E nos meses de junho e julho tomaram uma série de providências, visando conseguir recursos financeiros para garantir o pagamento das

despesas com a viagem. Jantares e abertura de contas na rede bancária possibilitaram arrecadação de uma boa soma que permitiram a confecção de elegantes ternos para todos os jogadores e para os membros da comissão técnica. Para a sorte de todos o alfaiate Luiz Martins Farias, proprietário da loja Confex, situada na rua Lobo D’Almada, além de bom gosto, tinha uma verdadeira paixão pelo seu querido Naça, onde exercia um cargo na diretoria. Aí foi juntar a fome com a vontade de comer, deixando o diretor do departamento de futebol, Alfredo Ferreira Pedras, convicto de que no embarque “todos estariam alinhados”. Dos ternos feitos por Luizinho, o ex-zagueiro Sula ainda guarda o seu com todo cuidado. É a prova material daquele glorioso momento.

O assunto principal da cidade era a viagem do Naça ao Rio de Janeiro, principalmente no Canto do Fuxico (Henrique Martins com Eduardo Ribeiro) reduto de desportistas, intelectuais, empresários, aposentados, jornalistas e alguns desocupados. Nessa época a força da televisão ainda não havia chegado por aqui e, por isso, as resenhas esportistas das rádios Rio Mar, Baré e Difusora mereciam grande atenção dos manauaras.

O time da águia de ouro, que depois passou a ter o leão como símbolo, era detentor da grande preferência dos torcedores, que lotavam o Parque Amazonense e a Colina até mesmo em simples jogos amistosos.

Como um grande articulador, Limongi conseguiu abrir as portas dos grandes clubes cariocas. Vasco, Flamengo, Fluminense e Botafogo colocaram à disposição do representante amazonense os seus departamentos de futebol, seus serviços médicos e suas concentrações. Árbitros como Armando Marques, Carlos Floriano Vidal e José Mário Vinhas, amigos do presidente da FAF, colocaram-se à disposição para a direção do jogo amistoso. Todas essas manifestações só conseguiam levantar o astral da equipe de trabalho, que observava cada detalhe visando o sucesso da promoção.

Domingo, 24 de agosto de 1969. No jogo principal o Brasil venceu a Venezuela por 6 a zero, com 3 gols de Tostão, 2 gols de Pelé e um de Jairzinho, formando com Félix (Lula); Carlos Alberto, Djalma Dias, Joel Camargo (Brito) e Rildo; Piazza e Gerson; Jairzinho, Tostão, Pelé e Edu, com arbitragem do boliviano O . Ortube.

Para os amazonenses, entretanto, o principal jogo era Nacional e Maringá. Em Manaus, os torcedores a partir das 13 horas, estavam atentos. Com os ouvidos bem abertos, acompanhavam os narradores João Bosco e Carlos Carvalho (Difusora), Arnaldo Santos (Baré), Luiz Eduardo Lustosa e José Augusto Roque (Rio Mar). O primeiro tempo foi morno. Se o Maringá não queria perder, o Nacional não pretendia assumir qualquer risco. E tudo ficou no zero a zero. No segundo tempo, o técnico Alfredo Barbosa Filho determinou que Mário Motorzinho e Rolinha começassem a lançar bolas nas costas dos laterais paranaenses, a fim de que Zezé e Pepeta encontrassem o caminho da área adversária.

E foi no primeiro avanço do Maringá, aos 8 minutos, que Mário Motorzinho criou a grande oportunidade do jogo. Lançou nas costas do lateral Cisca e deixou Pepeta numa situação privilegiada para o chute indefensável.

A partir do gol, o Nacional encolheu na sua defesa e passou assustar o adversário com arrancadas perigosas em contra-ataques. Mas o jogo não saiu do um a zero,

resultado suficiente para levar a torcida azulina ao delírio, pelas ruas de Manaus. Dorotéia Costa, Goiaba, Boca de Bilha, exemplos de torcedores fanáticos fizeram festas.

Dia 26 de agosto de 1969, terça-feira, tarde de muito sol. Tão logo o avião aterrissou no aeroporto de Ponta Pelada, a torcida começou a fazer carnaval fora de época. Mais de cinco mil pessoas disputavam espaço no acanhado aeroporto para homenagear seus ídolos. O trânsito parou. E começava a grande carreata que percorreu a estrada do Paredão, avenida 7 de setembro, avenida Eduardo Ribeiro com final festivo na sede da rua Saldanha Marinho. Os jogadores, de ternos e gravatas, bastante suados em cima de um caminhão do Corpo de Bombeiros, acenavam para a grande multidão. Pepeta, o autor do gol, era visto como um herói. Para a grande torcida do Nacional, aquele resultado tinha sabor especial. Foi uma vitória conquistada no templo sagrado do futebol brasileiro.

Para relembrar, no jogo que foi dirigido por Luiz Carlos Félix, auxiliado por Aloísio Felisberto da Silva e Eduardo Monteiro, o Maringá jogou com Adilson; Cisca, Zé Carlos, Ditão e Japonês; Gansinho e Adenaldo; Varley, Ademir, Edgar e Valtinho. O Nacional venceu com Marialvo; Pedro Hamilton, Sula, Valdomiro e Téo; Mário Motorzinho e Rolinha; Zezé, Rangel, Pretinho e Pepeta. Esse time é da época em que os torcedores do Nacional lotavam os estádios. Bons tempos.(Nicolau Libório é Procurador de Justiça, Jornalista e Radialista – [email protected])