Purgante, o Zagueirão – Por Nicolau Libório

Procurador Nicolau Libório(AM)

Corria o ano de 1959 e o imbatível time do Fluminense do Rio veio a Manaus para algumas apresentações. Na estreia venceu o Nacional pelo elástico placar de 11 a 1. No segundo jogo, diante do Fast, quando o escore já era de 4 a zero para o tricolor carioca, o ponta esquerda Escurinho resolveu fazer graça. Disse para Telê Santana, excelente jogador de meio campo, que ia começar a fazer espetáculo. Pediu que Telê passasse a bola com rapidez, “porque esse amarelo não vai dar para o começo”. Puro engano.

O tal amarelo a que Escurinho se referia era Purgante, à época com 24 anos, e no esplendor do seu vigor físico. Resumindo: do pescoço para baixo, para o filho do sêo José Sampaio tudo era canela. E foi aí que a coisa pegou feio para o habilidoso ponteiro esquerdo visitante. Purgante havia substituído Boca Cheia e estava com toda a disposição de acabar com a folga do adversário. No momento em que Telê Santana lançou a bola, Purgante chegou firme no tornozelo de escurinho, que saiu do jogo.

O Fast perdeu o jogo por 5 a 1 e o autor do solitário gol do tricolor amazonense foi Dadá, um dos melhores jogadores da década de 50. Purgante não nega: “no tempo em que eu jogava, não levava desaforo para casa. Eu batia mesmo e não nego. Atacante para entrar na área tinha que ser macho, porque eu não dava folga”.

Osvaldo Sampaio da Silva, nascido em 25 de novembro de 1935, que surgiu no futebol jogando como goleiro, ainda lembra dos detalhes daquele amistoso que reuniu uma multidão de torcedores no velho estádio da Linha Circular, o saudoso Parque Amazonense. O Fast, naquela tarde, formou com Marcus, Boca Cheia, depois Purgante, Jonas, Zezinho Casa Nova e Jofre; Rosas e Marcelo; Dadá, Português, Padeirinho e Paulo Lira. O Fluminense jogou com Carlos Castilho depois Vitor Gonzalez; Jair Marinho, Pinheiro, Clóvis e Altair; Edmilson e Jair Francisco; Maurinho, Telê Santana, Valdo e Escurinho.

Purgante era o apelido do seu pai José Sampaio, que era cobrador de bondes. Todos os dias, após a aula, Osvaldo aproveitava o tempo para ficar passeando do centro até a Casa Amarela (antigo estabelecimento comercial que ficava na Cachoeirinha, onde hoje existe um posto de gasolina, na esquina das ruas Castelo Branco e Codajás) e da Casa Amarela ao centro. O motorista do bonde resolveu chamá-lo de Purgantinho e aí o apelido pegou. Garante que não tem nada a ver com a falta de beleza no seu visual.

Purgante nasceu no bairro da Cachoeirinha. Quando dona Lídia, sua mãe, dava uma folguinha, ele se mandava para o campo que ficava bem próximo de sua casa. Lembra que foi goleiro do Ypiranga, do general Carneiro. Salienta que o campo ficava atrás do Palácio Rodoviário, onde hoje existe o conjunto residencial Juscelino Kubitschek. Aliás,

naquela época, nem o Palácio Rodoviário havia sido construído. Era um terrenão e tanto, que serviu para revelar inúmeros craques do futebol amazonense.

Purgante, que era arrojado e não tinha medo de arriscar o nariz para evitar gols, chamou a atenção do goleiro Boy, à época dono da posição no Fast. Boy era funcionário do sanatório Adriano Jorge e sempre que tinha um tempinho atravessava a rua para observar a garotada a bater bola. Gostou do desempenho de Purgante e resolveu levá-lo para testes. A estreia aconteceu no time aspirante, numa partida contra o América, numa preliminar de Vasco da Gama e Fast. A atuação foi satisfatória. Em 1954 transferiu-se para o Olympico mas logo descobriu que lá haviam outros excelentes goleiros.

Foi aí que, por sugestão do técnico Timinho, decidiu trocar de posição. Passou a atuar de lateral esquerdo, com tanta eficiência, que conseguiu o seu primeiro título no time aspirante, em 1956. Em 1957 já era titular do time principal, mas o seu verdadeiro desejo era jogar pelo Fast, clube do seu coração. Na primeira oportunidade que teve, não perdeu tempo. Pulou para o Fast disposto a jogar em qualquer posição. Em 1958, ele foi zagueiro central, lateral, quarto zagueiro, quebrando o galho de todo jeito. Em 1960 conseguiu o primeiro título no time principal do Fast.

A conquista do campeonato de 1960 teve um sabor todo especial. A torcida já começava a abandonar o Parque Amazonense e o Fast perdia para o Santos da Cachoeirinha por 3 a 1. Faltavam apenas cinco minutos para o final do jogo. Português, Dadá e Jonas mudaram o panorama do jogo e o Fast pôde sair campeão da sua chave. Na decisão com o América, na melhor de três pontos, venceu a primeira por 3 a 1, com gols de Vitorino, Português e Dadá, e a segunda por 2 a zero, com dois gols de Português. A base do time era Negão, Purgante, Jonas, Zezinho e Jofre; Rosas e Marcelo; Dadá, Vitorino, Português e Paulo Lira.

Numa certa tarde de sábado de muito sol, no Parque Amazonense, o técnico João Liberal não conseguia disfarçar a sua irritação. O Fast perdia para o São Raimundo por 2 a zero e nada dava certo. O jogo era amistoso mas Liberal detestava falar em derrota, essa palavra, segundo ele, não fazia parte do seu vocabulário. Foi aí que ele resolveu apelar. Chamou Purgante, zagueiro valente, sempre ríspido nas divididas, mas com pouca habilidade para jogar do meio campo para frente e resumiu: “Purgante, você vai jogar lá na frente, para atrapalhar os zagueiros do São Raimundo”. Ordem dada, ordem executada. Ele não apenas atrapalhou os zagueiros. Fez dois golaços, bem ao estilo centroavante rompedor. O suficiente para fazer a alegria do treinador e dos torcedores.

O campeonato de 1957 jamais foi esquecido por Purgante. O Nacional vencia o jogo por três a dois. Aos 45 minutos o juiz marcou um pênalti a favor do Fast. Boca Cheia foi encarregado pela cobrança. Acontece que Toscano, jogador manhoso, resolveu acabar com a alegria dos fastianos.

Purgante recorda: “se a gente conseguisse empatar o jogo, seríamos campeões. Mas tudo foi por terra, porque na hora da cobrança, o Toscano jogou areia no olho do Boca Cheia. Ele perdeu o pênalti e nós perdemos o campeonato. Mas lá fora o Marcelo pegou o Toscano e amassou”.

Purgante foi estimulado a ser jogador pelo próprio pai. José Sampaio,que apesar de nunca haver jogado futebol, era fanático pelo Canto do Rio, um clube do bairro, cuja sede ficava na avenida Waupés, hoje Castelo Branco. E, para lá, levou os filhos Oscar, Osvaldo (Purgante), Leopoldo e Messias (jornalista, advogado e político), mas somente Purgante conseguiu se destacar como jogador. Seu último jogo com a camisa do Fast aconteceu de forma melancólica. O Fast perdeu para o América por 2 a um. Num momento de desespero, numa disputa de bola com o centroavante Sabará, Purgante colocou a mão na bola dentro da área. O árbitro José Pereira Serra, que estava no lance, marcou pênalti. Isso aconteceu no estádio da Colina, no Campeonato de 1969, quando o Fast voltava a perseguir o título de campeão amazonense. Purgante não saiu bem na fotografia. A despedida não poderia ter sido pior. Sobre o apelido, Osvaldo não tem nada contra. Aliás, poucos sabem o seu verdadeiro nome: Osvaldo Sampaio da Silva.(Nicolau Libório é Procurador de Justiça, Jornalista e Radialista – [email protected])