A Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Amazonas julgou processo tratando de violência patrimonial e imunidade conjugal, mantendo sentença de 1.º Grau de comarca do interior do estado que condenou réu por crimes de lesão corporal, ameaça e furto qualificado cometidos durante relacionamento com a vítima.
A decisão do colegiado foi por unanimidade, conforme o voto da relatora, desembargadora Mirza Telma de Oliveira Cunha, em Apelação Criminal na qual a Defensoria Pública que assiste o recorrente pediu sua absolvição, alegando insuficiência de provas.
Conforme o processo, o recorrente foi condenado à pena de 3 anos e 3 meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime aberto, por crimes previstos nos artigos 129, parágrafo 9.º, 147, caput, e 155, parágrafo 4.º, inciso II, do Código Penal Brasileiro, e artigo 7.°, incisos I, II e IV, da Lei n.° 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).
Na sentença, o juiz de 1.º grau condenou o réu pela prática do crime de furto qualificado, ainda que praticado durante a união estável com a vítima, não prosperando a tese da defesa de imunidade conjugal, de que realizou as transferências de valores de conta bancária para pagamento de despesas durante a relação do casal. “A escusa absolutória do art. 181, inciso I, do Código Penal não se aplica ao vertente caso, pois com o advento da Lei 11.340/2006 prevalece o entendimento de que os crimes patrimoniais praticados contra a mulher, no âmbito doméstico e familiar, mesmo sem violência, também não permitem as imunidades dos artigos 181 e 182 do CP”, afirmou o juiz na sentença.
Outros aspectos relacionados à violência praticada, como posse de imagens íntimas, fazem parte do processo. Além disso, o juiz considerou que a materialidade do crime de ofensa à integridade física da vítima ficou comprovado, por laudo de lesão corporal, assim como a autoria. “No contexto da violência doméstica, a palavra da vítima, desde que esteja em harmonia com os demais elementos probatórios, tem um peso considerável, isto em razão dos delitos praticados neste contexto costumarem ocorrer às escondidas, longe dos ‘olhos e ouvidos’ da população, já que, na maioria das vezes, se consumam no interior da residência familiar”, afirma trecho da sentença.
No julgamento do recurso, em seu voto, a desembargadora esclarece que “a imunidade conjugal foi criada com base na copropriedade familiar, trazida pelo direito romano, e tinha por objetivo evitar cizânia e lesões à honra da família”, citando o autor Nelson Hungria.
A magistrada observa que o direito é mutável e que o conceito de família e relações familiares também. “Atualmente, não é mais possível que determinadas condutas imorais e criminosas continuem sendo permitidas por se esconderem atrás de imunidades que não fazem mais sentido no nosso contexto social”, afirma a relatora Mirza Cunha.
A desembargadora registra que “a Lei Maria da Penha, ainda que com certo atraso, trouxe grande e importantíssima inovação legal que traduz muito bem a evolução da sociedade e a percepção do legislador brasileiro de que, no contexto patriarcal enraizado em que vivemos, é imprescindível coibir de maneira mais enérgica a prática de qualquer tipo de violência no âmbito doméstico, inclusive a violência patrimonial”.
E conclui afirmando que a imunidade conjugal, prevista no artigo 181 do Código Penal, não pode ser considerada de forma absoluta, e que por isso mantém o entendimento de que o fato de viver em união estável com a vítima não serve para desconstituir a prática da conduta delituosa prevista no artigo 155, parágrafo 4.º, inciso II, do CP, e a condenação do apelante.