Serão escusas as relações do Poder? – Por Luciana Figueiredo

Advogada Luciana Figueiredo(AM)

O ápice do domingo, 09 de junho, foi a divulgação de supostas mensagens trocadas entre os membros da força tarefa da operação Lava Jato e conversas do procurador Deltan Dallagnol e o então juiz Sérgio Moro, hoje ministro da justiça. Como é mais que óbvio, em um país dividido por paixões como o nosso, logo se formam os times favoráveis e contrários a operação, ou mais, favoráveis e contrários ao ex-presidente Lula.

Tentando deixar os amores que nos tiram a razão um pouco de lado, devemos ver o acontecido da forma mais fria possível. Ao que tudo indica, até o presente momento, houve a clonagem de um aplicativo de mensagens do procurador Deltan Dallagnol, já que não foram divulgadas apenas mensagens trocadas com o atual ministro da justiça, mas também com outros membros da força tarefa e terceiros. O que se especula é que isso teria sido serviço de hackers. Situação grave e criminosa, já que o direito a intimidade e sigilo são garantidos constitucionalmente.

O procurador, na sua página em uma rede social, postou: “Os procuradores da Lava Jato não vão se dobrar à invasão imoral e ilegal, à extorsão ou à tentativa de expor e deturpar suas vidas pessoais e profissionais. A atuação sórdida daqueles que vierem a se aproveitar da ação do “hacker” para deturpar fatos, apresentar fatos retirados de contexto e falsificar integral ou parcialmente informações atende interesses inconfessáveis de criminosos atingidos pela Lava Jato”. Por certo que a atitude de “roubar” as supostas mensagens trocadas entre terceiros e, pior, divulga-las, constitui crime. Não há que se questionar isso. Mas temos muito mais.

A leitura do teor das supostas mensagens vazadas, divulgada pelo site The Intercept _Brasil é, no mínimo, preocupante. O site informa ter recebido conversas de 2015 até 2018. São 3 (três) anos de mensagens trocadas, que não foram todas divulgadas, apenas trechos das mesmas, o que, tenho que confessar, me preocupa. A supressão de uma frase pode mudar completamente o sentido de uma conversa, motivo que ensejou a divulgação do inteiro teor dos trechos inicialmente publicados, o que começou a acontecer desde a 4ª feira.

Inicialmente a matéria foi dividida em quatro partes, já possuindo uma quinta que contém a íntegra das supostas mensagens. A primeira, uma exposição de motivos dos editores com o claro objetivo de justificar e explicar o porque das divulgações nesse momento. A 2ª parte é tratada como uma trama para impedir a entrevista do ex-presidente Lula, ocorre que a entrevista foi negada através de uma liminar concedida em uma ação do Partido Novo, ou seja, sem qualquer ingerência dos membros do Ministério Público ou do atual ministro da justiça.

A 3ª. parte da matéria traz a chamada de que o procurador Dallagnol duvidaria das provas apresentadas na denúncia. Nesse ponto as mensagens começam a se complicar. Verificam-se constantes discussões acerca das providências, forma de apresentação, utilização de provas indiretas e seus significados aos interlocutores e processo de uma forma geral. Nesse momento a prudência deveria ser redobrada, já que se tratavam de denúncias envolvendo um ex-presidente da república.

A 4ª. parte da reportagem, talvez a mais bombástica, afirma que “Moro sugeriu trocar a ordem de fases da Lava Jato, cobrou novas operações, deu conselhos e pistas e antecipou ao menos uma decisão (…)”. A manchete é chamativa: “Chats privados revelam colaboração de Sérgio Moro com Deltan Dallagnol na Lava Jato”.

Na matéria podemos ler, em muitos momentos, a interpretação que os editores dão aos diálogos trocados entre os envolvidos, com todo o juízo de valor que lhes foi permitido. Verifica-se claramente a troca de informações, questionamentos acerca dos motivos adotados, sugestões e até mesmo possíveis repreensões. Inegável a constatação de se ter ultrapassado a barreira que deve separar o juiz das partes no processo.

Independente dos motivos norteadores das conversas, sejam eles nobres ou não, como em determinado momento é dito no texto, através de afirmações do tipo devemos “limpar o congresso”, dentre outras, o que não podemos admitir é a máxima de que “os fins justificam os meios”.

Vivemos em um Estado Democrático de Direito, a lei deve ser para todos, não pode, sob nenhuma hipótese, admitir flexibilizações, independente de quem serão os beneficiados. O limiar que separa a atuação das partes, em especial do Ministério Público e do juiz foi rompido e deve ser reestabelecido, pelo bem do processo judicial.

As acusações que hoje pesam sob os envolvidos são gravíssimas e devem ser apuradas, bem como a forma como as supostas mensagens foram obtidas.

Quanto ao processo penal, devem ser revistas essas relações. O juiz tem por dever ser absolutamente imparcial, e, na prática, acabamos vendo decisões em sede de inquéritos policiais (momento de investigação) já tomadas de juízo de valor condenatório que dificultam ou impossibilitam a elaboração de qualquer defesa.

O princípio de que todos são inocentes até que se PROVE o contrário, acaba caindo por terra. A Justiça deixa de ser cega para enxergar provas aonde existem tão somente indícios. Os fins não justificam os meios, por mais que moralmente esse seja nosso anseio e, em respeito ao futuro na nossa nação devemos lutar e zelar pela garantia de nossas instituições.

Quanto aos vazamentos das supostas mensagens e seus reflexos na vida futura do Brasil, temos que esperar os próximos capítulos de uma história que, ao que tudo indica, caminha para ser uma longa novela.(Luciana Figueiredo é Advogada)