Sula, o Bom Zagueiro – Por Nicolau Libório

Procurador Nicolau Libório(AM)

Lembro hoje do grande zagueiro Sula, símbolo de raça, disciplina e de um futebol que agradava pela boa técnica. Vestindo a camisa do Nacional, de 1963 a 1971, foi um exemplo de dedicação ao clube que o consagrou definitivamente no cenário esportivo amazonense.

Em 1947, com apenas 11 anos, o garoto Alberto ensaiava os primeiros dribles num campinho de terra batida, bem atrás da Igreja de São Raimundo. Aproveitava um descuido de dona Isaura e, em companhia de outros garotos, esquecia até que tinha que voltar para casa para fazer os deveres escolares.

– Era o campo do antigo cemitério, mas a gente nem se importava com isso. O importante é que a gente se divertia muito. E foi lá que eu aprendi a jogar o meu futebolzinho.

Alberto gostava de jogar como centro-médio, dando combate no meio campo e, quando tinha uma oportunidade, arriscava uma descida pelo comando do ataque. E foi jogando com muita personalidade, impondo respeito, demonstrando uma certa habilidade, que foi descoberto pelo treinador Artur Tribuzi. Na época já participava dos campeonatos promovidos pelo Padre Guilherme na paróquia de São Raimundo.

– Eu jogava apenas pelo prazer de jogar. Não tinha grandes pretensões. Aí o sêo Artur chegou comigo, fez o convite, falou com o papai e eu terminei indo para o infantil do Sul América. Lembro que foi em 1948, joguei pela manhã pelo juvenil, à tarde pelo segundo quadro e, quando faltavam 15 minutos para terminar o jogo principal, entrei no lugar do Teodoro, mas não foi uma boa estréia. Perdemos para o Nacional por 7 a 2.

Mas se o começo não foi bom, Alberto, que já começava a responder pelo apelido de Sula, até que não pode se queixar tanto. Afinal de contas ele participou da célebre goleada aplicada pelo Sul América em cima do São Raimundo por 8 a 0.Nesse jogo, recorda que participou de umas três jogadas de gol. No final, a torcida do Sul América resolveu fazer uma passeata do Parque Amazonense até a sede do clube. Foi no dia 28 de junho de 1958.

– Foi uma loucura. Quando o juiz apitou o final do jogo, a torcida do Sul América invadiu o campo e nós fomos carregados. Não precisa nem dizer que a cachaça derramou lá no bairro da Glória. Tinha nego bêbado pra todo lado. E durante muito tempo o pessoal do são Raimundo teve que aturar a nossa torcida, que não era fácil.

Sula, entretanto, lamenta não ter conseguido saborear as delícias de um título pelo Sul América.Certa feita – não lembra o ano – o Sul América esteve bem próximo de chegar ao título. Saiu para disputar um jogo importante com o Rio Negro, no Parque Amazonense, venceu por 2 a 1, mas em razão das falhas do árbitro Pedro Sena, o final foi triste. Muita pancadaria, com torcedores e jogadores brigando no campo, mas Sula conseguiu sair de fininho e escapar sem ser molestado. Nos jogos seguintes o time não conseguiu se impor e por isso ficou de fora da decisão.

– O time do Sul América era uma máquina. Sinceramente, não entendo porque a gente não tenha conseguido chegar ao título. Vou recordar a escalação. O time

formava com Sandoval; Nonato, Amor, Almir Macarrão e Carrapeta; Eu e o Zamundo; Alemão, Limão, Chicão e Evilásio.

Foi com esse time que o Sul América conseguiu escrever o seu nome na história do futebol amazonense. Revelou jogadores para a seleção estadual, dentre eles Sandoval, Zamundo e o próprio Sula. Mas apesar das virtudes do elenco, do apoio da torcida e do entusiasmo da diretoria, o Sul América só conseguiu mesmo alguns títulos em torneios promovidos pela ACLEA e um na modalidade de futebol de salão. Vale destacar, entretanto, que sob a presidência do empresário Mário Cortez, em época mais recente, experimentou o prazer de ganhar um campeonato.

– Eu participei do futebol de salão. Aliás, aprendi a dar dribles curtos no futebol de salão, porque o espaço é pequeno. Então a gente tem que ser rápido, senão o adversário leva a melhor.

Durante 15 anos, Sula foi um dos grandes destaques do time do Sul América. Mas em 1962, recebeu um chamado do deputado Josué Cláudio de Souza. Atendeu e ficou até meio empolgado com o convite para se transferir para o Rio Negro. Antes de dar a resposta procurou consultar seu pai. O velho Aníbal, torcedor fanático do Sul América, foi contra.

– Nada disso, Sula, você tem que defender o Sul América. O clube precisa do seu futebol.

Dias depois, ficou surpreso ao ser procurado por Luiz Martins Farias, alfaiate do governador, e proprietário da loja Confex, que lhe disse: Sula, o doutor Plínio deseja falar com você. Ele quer que você vá jogar pelo Nacional.

O Governador da época era Plínio Ramos Coelho, presidente do Nacional, que estava disposto a formar um grande time. Sula ficou meio confuso, mas resolveu chegar à presença de Plínio Coelho para falar sobre o assunto.

– Eu falei ao Dr. Plínio que me sentia bem no Sul América, mas se ele conseguisse um emprego para a minha esposa na Assembleia, eu poderia mudar de ideia. O doutor Plínio não contou conversa. Disse que a Deusarina poderia se considerar funcionária e que eu deveria me apresentar ao treinador Barbosa Filho, para começar a treinar.

A estreia pelo Nacional aconteceu em 1963, onde passou a colecionar títulos. Foi campeão no mesmo ano da Taça Amazonas, ganhou o campeonato (último título pelo amadorismo), bicampeão em 64 da Taça Amazonas e do campeonato, foi vice em 65, 66 e 67 e novamente campeão em 68 e 69.

– A minha vida mudou um pouco. A torcida do Nacional é incrível, motiva a gente, empurra o time pra frente.

No Nacional, nos primeiros jogos, foi escalado como centro-médio. Mas depois, por necessidade do próprio time, foi fixado como zagueiro central, posição que jogou até 1971, quando encerrou a sua missão como jogador.

Durante 23 anos de carreira poucas vezes foi expulso de campo. Jogava sempre com lealdade e só apelava em situações de extrema necessidade. Teve a responsabilidade de marcar jogadores do nível de Tostão, Dario, Almir, César e tantos outros atacantes de grande expressão técnica, inclusive Pelé.

No futebol amazonense, lembra que Santarém era o mais difícil de segurar. Exatamente pelo porte físico e principalmente pela disposição que tinha de brigar pela posse de bola, na área.

– Toda vez que eu jogava contra o Santarém, eu procurava marcar de perto. Não dava o menor espaço, porque se ele conseguisse dominar a bola era um “deus-nos-acuda”. Ele disparava e era muito difícil para segurar. Mas mesmo assim eu evitava apelar, mesmo porque ele sempre jogou limpo contra mim.

Sula reconhece que era muito fácil jogar no Nacional. Principalmente nos últimos cinco anos de carreira, pois o time dificilmente mudava uma peça. Tinha um meio de campo bem entrosado e uma linha que dava muito trabalho a qualquer defesa. Lembra da categoria de Mário, da inteligência de Rolinha, da ousadia do ataque formado por Zezé, Rangel, Pretinho e Pepeta. Não esquece, entretanto, seus companheiros de zaga, como Faustino, Berto, Pedro Hamilton, Téo e o goleiro Marialvo, que inspirava muita confiança ao restante da equipe.

Sobre os treinadores, salienta que Alfredo Barbosa Filho era mais um amigo dos jogadores. Todos gostavam de trabalhar com ele. Mas para fazer justiça, reconhece que Té, que se transferiu para o futebol do Acre, foi o mais capacitado de todos que conheceu.

No futebol, como não poderia deixar de ser, nem tudo foi alegria. Certa ocasião, no próprio Nacional, teve um sério problema de meniscos. O clube não levou o caso muito a sério e por isso teria que conseguir dar o seu jeito. Quando procurou alguns amigos para conseguir uma passagem para viajar ao Rio de Janeiro para fazer tratamento, não teve êxito. Teve que enfrentar o problema sozinho. Em 1971, percebeu que havia chegado a hora. Não desejava ser expulso de campo pela torcida. Queria que a torcida ficasse com uma boa imagem do seu futebol. Escolheu uma partida qualquer, sem grande importância para sair de campo sem ser notado.

– Saí do gramado, sentei no banco do vestiário, olhei para os colegas e me retirei sem me despedir. Tive vontade de chorar, porque naquele momento eu encerrava uma carreira de 23 anos. Cheguei em casa e falei para a minha mulher: acho que parei na hora certa.(Nicolau Libório é Procurador de Justiça, Jornalista e Radialista – [email protected])