A VEZ DAS INUTILIDADES – Por Felix Valois

Advogado Felix Valois(AM)

Ninguém conseguiu me explicar até hoje para que serve um muro de cemitério. Os que já estão lá não têm qualquer possibilidade de sair, salvo, para os que acreditam, como almas. O que vem a dar no mesmo porque, segundo a vasta literatura sobre o assunto, o ectoplasma desconhece barreiras materiais, sendo capaz de se introduzir no ambiente que bem lhe aprouver. De outra face, os que ainda não ocuparam seus respectivos lugares no, digamos assim, campo santo, não parecem demonstrar qualquer ansiedade por fazê-lo (salvo, é claro, as exceções psiquiátricas), de forma que o quadro pode ser assim resumido: quem está dentro não pode sair, quem está fora não quer entrar. Temos, pois, assim demonstrada, de forma sintética e não pretensiosa, a absoluta e total inutilidade dos muros de cemitérios.

Mas, há de me ponderar o escasso e prudente leitor, é preciso proteger a memória de nossos entes queridos contra a sanha dos violadores e ladrões de túmulos. O argumento, com o respeito que aqui fica registrado, só me remete para lembranças da história do antigo Egito, onde os faraós, eles próprios considerados deuses, se davam à pachorra de erguer monumentos suntuosos destinados ao recebimento de seus restos mortais. Estampa-se aí visível contradição porque, ao que me consta, os deuses, à moda dos acadêmicos, sempre foram infensos a essa coisa desagradável e indesejável chamada morte, sendo de sua natureza a vocação para a eternidade. De qualquer sorte, e para o ponto que nos interessa, não tenho ciência de que algum descendente de Ramsés esteja repousando entre os muros de um dos cemitérios aqui da tropicália.

Quer ver outra coisa inútil e ao mesmo tempo paulificante? Aquele papel celofane que envolve as embalagens de CDs. Não serve para absolutamente nada e torna quase impossível removê-lo porque ele parece tão impenetrável quanto aço. Não se encontra qualquer indicação do procedimento a ser adotado, de tal sorte que o infeliz comprador do disco fica a esfregar os dedos sobre o maldito papel, na tentativa de que ele manifeste o mínimo de vontade de ser removido. E nada. Lembra em tudo aqueles saquinhos que acompanham as pizzas, contendo maionese, mostarda ou ketchup. Abri-los é uma tarefa de paciência que termina quase sempre com o usuário se lambuzando com o conteúdo ou, num justificado acesso de raiva, lançando a coisa contra a parede. É a maldita tendência para a complicação, quando seria bem mais simples apresentar os produtos em singelas embalagens que permitisse um fácil manuseio e remoção. Qual nada! Lidar com essas pequenas monstruosidades requer inventividade e talento do comum dos mortais.

É impossível não colocar na categoria das inutilidades incontestáveis as caixas de papelão em que são acondicionados e vendidos os tubos de creme dental. Aqueles mesmos tubos que dona Dilma, de triste memória, chamou de dentifrício, confundindo, como apraz aos insanos, continente com conteúdo. Mas vamos lá: quem é, no mundo, que, ao iniciar o uso de um creme dental, não toma, como primeira providência, depois de retirar o tubo, jogar no lixo a tal caixa? Ora, se ela não serve para coisa nenhuma, por que existe? Se quisermos aventar uma espécie de teoria da conspiração, poderíamos clamar pela hipótese do lucro desenfreado e sem causa por parte da indústria respectiva. Sem a caixa, o produto seria talvez mais barato. Não vamos chegar a tanto e, já que falamos da figura da “presidenta”, vamos usar da criatividade e usar as caixas para estocar vento. Assim, estaremos contribuindo para o futuro energético do país, além de demonstrarmos porque somos “sapiens”.

Assim segue a humanidade, entre inutilidades e chatices. Aqui, a dupla sertaneja que insiste em nos atormentar os ouvidos, esquecida de que não formos moldados para apreciar o feio. Acolá, o garotinho de seis anos que faz um malabarismo capenga no sinal de trânsito, na esperança de que a caridade (que palavra terrível!) supra as deficiências de uma sociedade injusta e mesquinha. Mais adiante, o Senado da República brinda a Pátria com o epílogo de uma triste novela que há de ficar gravada para sempre na memória de um povo que ainda não despertou para sua própria realidade e que, por isso mesmo, ainda se deixa levar pelo canto de sereia do populismo e do paternalismo. O que, tudo, me leva à consideração da última das inutilidades: esta própria crônica. Se ela não vai mudar nada, por que foi escrita? Não sei. Conto com a benevolência do raro leitor para encontrar uma desculpa. Se não encontrar nenhuma, rasgue-a ou delete-a. Terá ela merecido destino. Consola-me só a certeza de que, pelo menos, ela não estará enterrada entre os inúteis muros de um cemitério.(Felix Valois é Advogado, Professor, Escritor e Poeta – felix.valois@gmail.com)